PERFIL Medicina cheia de arte
PUBLICAÇÃO
sábado, 22 de fevereiro de 2003
Ana Setti<br> Reportagem Local
Arte médica é uma pouco conhecida especialidade da área, que serve a uma finalidade muito nobre: ''ajudar outros médicos e estudantes a aprender medicina'', como explica Sérgio Russo, formado em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), na década de 70, e artista plástico por vocação. Para explicar de que forma é possível aplicar a ilustração médica na ampliação do conhecimento dos profissionais da área, Sérgio mostra o mais recente livro no qual teve importante participação: ''Técnicas de Reconstrução das Cirurgias Abdominais'', dos médicos Ulrich A. Dietz e Sebastian Debus, em sua versão original alemã , publicada pela editora Kaden, de Heidelberg, que tem renome internacional. ''No livro'', comenta, ''são resgatadas, por meio de texto e desenhos, as técnicas utilizadas nesse tipo de cirurgia de 1717 até os dias de hoje''. As ilustrações mais antigas datam de uma época em que trabalhos assim eram realizados a bico de pena, mas as mais recentes, das quais Sérgio foi encarregado e que mostram em detalhes, praticamente passo a passo, como se processa a cirurgia de reconstrução do abdômen com a utilização de uma válvula absorvível pelo organismo (Valtrac), ''foram feitas na ponta do lápis''.
''O lápis não é substituível'', afirma, com convicção, esse paulista, nascido em São Caetano do Sul, e que vem de uma família de artistas de Cosenza, sul da Itália. Sempre lhe perguntam se a computação gráfica não trouxe aos artistas da área uma competição desleal. ''O computador é de grande ajuda'', responde, rápido, ''resolvendo alguns problemas gráficos, mas não substitui o esboço feito de forma tradicional, a primeira concepção artística e científica do ilustrador''. Competidores de carne e osso também não são motivo de preocupação, já que, no país, além dele, só existe mais uma ilustradora médica, que não é brasileira e mora no interior de São Paulo. A falta de concorrência, porém, não o entusiasma, pois revela a desvalorização do ofício por aqui. ''Temos mais de 80 escolas de medicina no Brasil'', argumenta, ''e nenhuma conta com um serviço de desenho cirúrgico''.
Pode-se pensar que ilustração médica seja como ''perfumaria'', algo supérfluo, sem muita importância. De acordo com Sérgio Russo, no entanto, esse tipo de trabalho é extremamente útil para dar mais embasamento às teses de pós-graduação, às publicações médicas, à propaganda de medicamentos e, especialmente, às pesquisas. E não se trata de um ofício simples ou fácil. Como ilustrador, com formação na área, Sérgio entra no centro cirúrgico, devidamente paramentado, e faz anotações minuciosas de todas as fases da operação que devem ser retratadas. Daí resultam os primeiros esboços, que são minuciosamente aprofundados em seus detalhes técnicos e ganham clareza por causa de seu conhecimento artístico, utilizado para definir proporções, perspectivas e cores na medida exata. ''A medicina hoje depende 100% de imagem'', lembra, e os desenhos são parte importante dessa identificação de problemas e soluções, que facilitam os estudos e os diagnósticos.
Para esse artista plástico, que se especializou em retratos e modelagem, ministra cursos de desenho em Londrina, e faz ilustrações médicas no Brasil e para universidades e editoras da Alemanha, onde viveu 11 anos, ''a valorização da arte médica abriria um novo e promissor campo de trabalho para os jovens, que andam tão carentes de perspectivas de emprego no país''. E não é preciso fazer medicina para se chegar lá.
Dos mil integrantes da maior associação de ilustradores médicos do mundo, a americana, cerca de 50% apenas são formados em Medicina. Sérgio é um entusiasta da idéia de ampliar seu campo de trabalho, disponibilizando-o para mais pessoas. Pondo mãos à obra, dá cursos de ilustração médica em sua escola de arte, tendo entre os alunos profissionais das mais diversas áreas, como odontologia e informática.