É difícil pensar sem muletas. A imagem parece estranha, mas é fidedigna. A maioria das pessoas precisa de “apoio”, ou seja, esquemas, conceitos prontos ou ideias testadas para expressar-se por meio de palavras. É como se o mundo todo pudesse ser capturado por explicações já existentes. O desafio do pensamento, então, seria relacionar a melhor ideia ao fato em questão, fundi-los, apreciá-los em conjunto. Pronto. A realidade já pode ser devidamente compreendida e explorada.

Antes fosse assim tão simples. Infelizmente, essas atitudes de redução do pensamento só endossam o comportamento das multidões acríticas, daquele tipo que segue líderes sem nenhuma verve indagadora, sem considerações argumentativas. Essa desafeição ao pensamento complexo é perfeita para a explosão de fake news e a histeria de massas presente nas redes sociais. Nada poderia ser pior a uma realidade que se deseja democrática e livre, capaz de garantir paz e felicidade aos seus membros.

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. | Foto: iStock

“Pare e pense”, dizia a filósofa teuto-americana Hannah Arendt (1905-1975) na abertura de seus cursos universitários. O propósito era provocar a atenção, despertar a curiosidade, incitar ao novo. A única boa maneira de compreender a realidade é torná-la um tempo vivido, único, marcado por fatores imponderados, personagens inesperadas. Somente assim podemos nos livrar das armadilhas do pensamento pronto, dos velhos “corrimões” das ideias.

É por isso que Arendt insistia em pensar sem corrimão, ou seja, descer e subir as escadarias do pensamento sem se apoiar em nenhuma ideologia já pronta e, provavelmente, desgastada. O passado pode nos servir grandes pistas; pensadores clássicos devem sempre ser rememorados; a crítica do presente não pode se realizar sem fortes vínculos com a História. Se tudo isso é verdade, é ainda mais factível que somente um pensamento livre de “escolas” pode desejar descortinar realidades, esmiuçar personalidades, propor saídas às crises e aos momentos sombrios da experiência humana.

Arendt, lembrando Sócrates, dizia que o pensamento é como o vento: tira tudo do lugar. Ao misturar as coisas, empurrar tudo para o outro lado, a capacidade de pensar altera nossa percepção ordinária dos acontecimentos – passamos a ver tudo de modo diferente, impensado, intranquilo, provocativo. No fundo, o pensamento é um diálogo consigo mesmo, durante o qual surgem palavras, imagens, sonoridades, aquilo que nos permite viver a realidade, fazer parte do mundo. Nesses termos, não faz sentido usar muleta alguma para pensar.

Mas pensar não é trivial: é fundamental que insistamos numa mentalidade alargada, que leve em consideração o horizonte dos outros. Só assim saberemos por que contar uma história pode ser uma atitude tão rica ao pensamento. Por meio da vida das personagens que criamos ou rememoramos, damo-nos conta do tempo por elas vivido, dos desafios postos pela História, das ideias em circulação. Ampliamos nosso olhar, dilatamos nosso mundo, aprendemos, pois, a pensar sem corrimão.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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