Há cinquenta anos, quando o pesquisador avaliativo norte-americano Michael Patton retornou à sua cidade após uma temporada na África, teve o primeiro contato com as obras do educador brasileiro Paulo Freire, sobretudo a "Pedagogia do Oprimido". Naquele momento, teve a compreensão da jornada vivida em território africano e, a partir dali, mudou sua visão de trabalho. Inspirado pelas descobertas, foi quando começou a aplicar os conceitos no que intitulou, anos mais tarde, como "Pedagogia da Avaliação". "É a transformação do pensamento para algo útil e aplicável, ou seja, como pensamos sobre as coisas e usamos as evidências", disse, durante o 14º Seminário Internacional de Avaliação, realizado em São Paulo, promovido em agosto pelo Itaú Social, Fundação Roberto Marinho, Instituto C&A e GIFE, que reuniu profissionais do terceiro setor e do governo, além de especialistas e estudantes que atuam nos campos da educação integral, avaliação e pesquisa social.

O Instituto Camará Calunga utiliza a educação e a cidadania como mediação da inclusão social de crianças e adolescentes
O Instituto Camará Calunga utiliza a educação e a cidadania como mediação da inclusão social de crianças e adolescentes | Foto: Divulgação



Mas como um tema tão técnico pode ter relação com a educação? Segundo ele, não só tem como é fundamental, pois, em qualquer processo de avaliação - que deve ir da formulação de perguntas até a implantação de medidas - é preciso haver envolvimento de todos e, principalmente, diálogo entre as partes. Seguindo essa linha, o grande desafio, para ele, é fazer que os inovadores sociais passem a enxergar a avaliação como algo útil para a tomada de decisões. "Mais que aplicar qualquer tipo de avaliação, é preciso, de alguma forma, utilizar-se de seu resultado e relatórios. Nossa responsabilidade, então, é colocá-la em prática. Caso contrário, não tem valor ou terá sido uma pesquisa ruim", explica.

O pesquisador norte-americano Michael Patton acredita que os inovadores sociais devem enxergar a avaliação como algo útil para a tomada de decisões
O pesquisador norte-americano Michael Patton acredita que os inovadores sociais devem enxergar a avaliação como algo útil para a tomada de decisões | Foto: Serjão Carvalho/ Divulgação



Nesse sentido, Patton defende a importância do desenvolvimento do PA (Pensamento Avaliativo) de forma transdisciplinar. "Não existe projeto, programa ou política, em nenhuma área, com a contribuição de apenas uma pessoa. Porém, mais que o engajamento, chegar a este tipo de pensamento não é algo natural, é preciso tempo de dedicação e comprometimento para uma posterior transformação social. Tudo começa pela construção da cultura e política do pensamento." Na ocasião, o especialista ainda lançou o livro "Pedagogia da Avaliação e Paulo Freire: Incluir para Transformar", organizado por Michael Patton e Vilma Guimarães, gerente geral da área de educação e implementação da Fundação Roberto Marinho. "Não podemos separar a ação da reflexão; é um relacionamento sistêmico", completa o pesquisador.

Transformação social
Partilhando da ideia de que a avaliação é um instrumento essencial de aprendizagem e de transformação social, várias são as entidades que já apresentam experiências diversas e complementares de como estas trouxeram aprendizados importantes e que apoiaram suas organizações a se tornarem mais efetivas na promoção de transformações sociais. Uma delas é o Instituto Camará Calunga, que se propõe a utilizar a educação, a cultura e a cidadania como mediação da inclusão social de crianças e adolescentes. Fundado há 20 anos na cidade de São Vicente, no litoral de São Paulo, tem realizado vários projetos cujas experiências são referenciais de cuidado, formação crítica, pesquisa e intervenção que incidam na formulação de políticas públicas de infância e juventude.

João Franca, do Instituto Camará Calunga, explica que as rodas de conversa foi uma das formas encontradas para aplicar o pensamento avaliativo
João Franca, do Instituto Camará Calunga, explica que as rodas de conversa foi uma das formas encontradas para aplicar o pensamento avaliativo | Foto: Serjão Carvalho/ Divulgação



João Franca, diretor técnico do Instituto, explica que, uma das formas encontradas ao longo destes anos para a criação do Pensamento Avaliativo foram as rodas de conversa que, além de colocarem os participantes como protagonistas, tem a reflexão como ponto de destaque. "Aprendemos que compreender o modo como o território se organiza e propor transformações, primeiro exige diálogos intergeracionais. Nada pode ser imposto, pois a própria comunidade tem suas demandas que precisam ser ouvidas. Não estou dizendo que é um processo fácil. Mas abrir a participação de crianças, adolescentes e adultos com a compreensão de que todos eles têm a contribuir por igual, resulta na mudança de cultura que os torna um sujeito político dentro de sua realidade e no país", destaca.

As atividades do grupo acontecem uma vez por semana, com metodologia de autogestão. Nessa linha, um dos projetos que se estabeleceu foi "Nossa Escola é em Todo Lugar", que reconhece o corpo como um instrumento para uma alfabetização integral através de quatro eixos centrais: esporte educacional, espaço do brincar, alfabetização cognitiva e alfabetização ambiental/cultural. "O projeto reconhece que a cidade é educativa quando os seus diferentes espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes pedagógicos, em diálogo com as diversas oportunidades de ensinar e aprender que a comunidade oferece. Isso pode acontecer da maneira que eles quiserem, em forma de teatro, de música, de palestra, de roda de conversa, de brincadeira", exemplifica, completando que trata-se de uma pedagogia crítica que possibilita ir além da resistência à realidade, também produzindo cultura.

Com a boa experiência, em 2015, o instituto apostou na metodologia desenvolvida para iniciar o projeto "Terra Sonâmbula tem como intenção", acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de rua e intervenção em um território vulnerável. "O objetivo é subsidiar a formulação de políticas públicas de educação, saúde, habitação e assistência social, ancoradas nos fundamentos dos direitos humanos. O projeto acontece em parceria fundamental da EMEIF Vila Ema, escola na qual realizamos atividades educativas e assembleias comunitárias semanais. Traz como uma nova dimensão a "Alfabetização Urbanística" para trazer ao debate as questões relacionadas ao acesso à terra e à moradia", completa o diretor sobre a missão firmada nos conceitos da Educação Social de Rua, da Educação entre Pares, da Justiça Restaurativa, Educação em Movimento e na Pedagogia da Presença.

*A repórter participou do 14º Seminário Internacional de Avaliação a convite do Itaú Social