1976: Roberto Coutinho, Tadeu Felismino e Nilson Monteiro em eleição estudantil,  foto aparece no filme 'Democracia em Vertigem' numa referência  à passagem dos pais de Petra Costa por Londrina
1976: Roberto Coutinho, Tadeu Felismino e Nilson Monteiro em eleição estudantil, foto aparece no filme 'Democracia em Vertigem' numa referência à passagem dos pais de Petra Costa por Londrina | Foto: Arquivo pessoal/ Reprodução

Concorrente ao Oscar como melhor documentário de longa-metragem, a produção brasileira “Democracia em Vertigem”, dirigido pela mineira Petra Costa, tem um enorme potencial em atingir a memória afetiva de um grupo de londrinenses. Logo no início do filme, lá pelo sexto minuto, a cidade é lembrada como parte da história da família da cineasta. Seus pais, Manoel Costa e Marília Andrade faziam parte do PC do B, partido que na durante o regime militar atuava na clandestinidade. Por causa da gravidez da jovem, o grupo decidiu tirar o casal de Belo Horizonte para um ambiente menos deflagrado.

Em 1970, eles chegaram a Londrina onde permaneceram até outubro de 1974. Aqui nasceu sua primeira filha, Elena – retratada em documentário homônimo de Petra Costa, que trata de seu suicídio. A menina era considerada a mascote dos colegas. Como memória deste período, uma foto mostra dois ex-líderes estudantis da UEL (Universidade Estadual de Londrina) na eleição de 1976 dos diretórios acadêmicos: os jornalistas Tadeu Felismino, hoje chefe de gabinete do prefeito Marcelo Belinati (PP), e Nilson Monteiro, membro da Academia Paranaense de Letras. Ambos se recordam bem do período e da família da diretora.

O ponto de encontro dos jornalistas com Marília Andrade foi a universidade. A missão dada pelo PC do B era atuar no movimento estudantil, enquanto o marido trabalhava com venda de medicamentos. Logo ela entrou para o curso de Pedagogia, mas os colegas não sabiam a razão de sua estada na cidade. “Logo fizemos amizade. Eles tinham um nível intelectual e político muito bom, mas nós não sabíamos dos detalhes da vida deles, muito menos a participação política”, lembra Felismino.

A diretora Petra Costa (à direita) e sua irmã Elena, na infância, em Londrina: cineasta também dedicou a ela um documentário
A diretora Petra Costa (à direita) e sua irmã Elena, na infância, em Londrina: cineasta também dedicou a ela um documentário | Foto: Greg Selibian/ Folhapress
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POEIRA

Ao longo dos anos, os estudantes foram se reunindo e formaram um movimento que tinha seu nome inspirado nos versos de Paulo Vanzolini, “levanta sacode a poeira e dá a volta por cima”. Deste grupo surgiu, em 1974, o jornal Poeira, um laboratório para os estudantes do recém-aberto curso de Comunicação Social. Aquele grupo foi dominante nas eleições dos diretórios até 1978. “Acredito que o documentário é um ponto de vista sobre aquele período. Fiquei muito surpreso em ver a indicação ao Oscar. A lembrança de Londrina e o fato de aparecermos é fundo para uma homenagem, sim, ao Poeira, e à importância que o movimento teve em nossas vidas”, opina Felismino, que narra o período no livro “O Tempo do Poeira”, da Eduel.

A grande efervescência cultural que dominava os jovens universitários em Londrina, na década de 1970, é lembrada por Nilson Monteiro. “Era um ambiente muito progressista e os estudantes considerados exemplos na luta contra a Ditadura Militar. Funcionávamos como porta-vozes das discussões nacionais”, lembra Monteiro, que também não era participante de nenhum partido político. No entanto, ambos os jornalistas que aparecem na imagem do documentário foram presidentes do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UEL. Apesar da ligação de Marília com o Poeira, os pais da cineasta deixaram Londrina apressadamente em outubro de 1974, logo após a primeira vitória do movimento, devido a uma enorme especulação de que ela seria presa.

Cena de 'Democracia em Vertigem': documentário sobre processo político e o impeachment de Dilma Rousseff concorre ao Oscar, resultado sai em 9 de fevereiro
Cena de 'Democracia em Vertigem': documentário sobre processo político e o impeachment de Dilma Rousseff concorre ao Oscar, resultado sai em 9 de fevereiro | Foto: Netflix/Divulgação

CHANCE

A citação de Londrina e seu movimento estudantil em “Democracia em Vertigem” apontam uma oportunidade rara de um período histórico londrinense chegar ao principal palco do cinema mundial, Hollywood. A competição deve ser apertada, já que há concorrentes de peso como “Indústria Americana”, de Steven Bognar e Julia Reichert, sobre tecnologia, e a “For Sama”, de Waad al-Kateab, que narra a rotina de guerra da vida dos sírios, em Aleppo. Independentemente do resultado, a escolha dos documentários mostra um interesse em discutir política cada vez mais forte entre os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O resultado sai no próximo dia 9.

Assista ao trailer oficial de "Democracia em Vertigem"

O filme na íntegra pode ser visto na Netflix