Imagem ilustrativa da imagem PAULO GUSTAVO
| Foto: AFP Photo/ O Globo TV / Victor Pollak

Confesso que vem sendo espinhoso eleger um tema sobre o qual escrever a cada semana. É tanta notícia absurda que esse país gera diariamente, que das duas, uma: ou mudamos de assunto e versamos sobre banalidades ligeiras ou encaramos os fatos e tentamos, a fórceps, escrever algo relevante a respeito.

O falecimento do nosso amigo Paulo Gustavo nos enche de tristeza e indignação, e não menos do que o luto de centenas de milhares de famílias, do Brasil e do mundo, que choram a perda de seus entes queridos. Em nosso país a indignação está em pé de igualdade com a tristeza, por razões a respeito das quais todos já parecem cientes o bastante. Alguns ainda tentam, apesar de tudo, me convencer de que não há culpados pela tragédia, que a pandemia é uma fatalidade mundial, mas aprendi a ignorá-los olimpicamente. Cedo ou tarde a história dirá quem são os responsáveis. Espero que cedo.

O Paulo foi nosso aluno na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, em 2004. Já era uma pessoa extraordinária, destinada a tornar-se um artista extraordinário. Sabia rir de si mesmo e dos outros com notável elegância. Vasculhando meu baú, achei uma foto, onde ele atua na pele de Vladimir, um dos mendigos do clássico “Esperando Godot”, do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Dirigi essa montagem com redobrado prazer e me lembro bem porque: a presença do Paulo na turma era de tal modo luminosa que todos, sem exceção, beneficiavam-se disso. Ele era um desses indivíduos capazes de dar amor e humor a todos, mas amor de verdade e humor de qualidade.

Vai daí que perder esse grande amigo é, para muitos de nós, além de profundamente entristecedor, profundamente simbólico. O Paulo era um artista independente, extremamente bem sucedido, bem casado e pai de dois lindos filhos; alguém do bem, promovendo o bem do melhor modo possível, amando e distribuindo bondade a todos, amigos e fãs, sem distinção, e praticando a caridade sem fazer alarde disso. Pois é precisamente tudo o que ele representa que vem sendo sistematicamente pisoteado por uma cultura de violência, de milícias, de criação de inimigos, de intolerância religiosa e ideológica, de segregação racial e de gênero, de mentalidades exclusivistas, de incompetência administrativa, de mentiras deslavadas, de descaso com o meio-ambiente e a vida humana, de cegueira ética e moral… a lista é grande e não cabe aqui.

Dois dias após a morte de Paulo, ainda atordoados, fomos atropelados pela notícia da chacina na favela de Jacarezinho, no Rio, onde 25 pessoas foram mortas a tiros numa operação da Polícia Civil. Um novo recorde, uma nova vergonha, outra demonstração cabal de brutalidade, descaso e falta de planejamento. Estamos cansados!

Estamos, em suma, devastados por esse amargo luto, e não somente pelas mais de 420 mil pessoas cujas vidas foram interrompidas, mas também pelos descaminhos desse país. Espero que nosso luto e nosso cansaço nos ajude a acertar o passo o quanto antes. A seguir assim, nada nos restará senão ruínas.

Uma semana melhor que a anterior a todos!