São Paulo - Não chega a ser clichê dizer que a história do samba brasileiro dos últimos 60 anos se confunde com a de Paulinho da Viola. O músico carioca deixou isso claro quando estreou em São Paulo, no último dia 4, na casa de shows Vibra, a turnê que celebra suas oito décadas de vida, com cerca de 3.400 ingressos esgotados.

Ao longo de uma hora e meia, Paulinho e sua banda de sete músicos, muitos dos quais o acompanham de longa data, fizeram um passeio histórico pelo gênero que o carioca de Botafogo abraça e defende declaradamente por amor. Ele foi acompanhado por sete músicos, entre eles o violonista João Rabello, um de seus sete filhos, que assumiu o posto que já foi de seu avô, César Faria, grande nome do choro carioca.

Praticamente todas as décadas de sua discografia foram contempladas no repertório de 22 músicas, desde "Samba Original", "Coração Leviano" e "Coisas do Mundo, Minha Nêga", compostas no fim dos anos 1960, até "Ele", canção da safra mais recente que nunca foi gravada pelo cantor e compositor.

A música abriu o show em formato cru, quase a capella: sem banda, com a inconfundível voz suave e (ainda) límpida de Paulinho tendo apenas uma caixa de fósforos como acompanhamento.

O samba, cantado brevemente, trata de um violeiro que está sempre com seu instrumento ao lado, enquanto vive em apuros com o amor. "Pede a viola num Sol Maior, por favor/ Mas não consegue não falar mal desse amor", cantou Paulinho, que se reaproximou do violão para compor durante a pandemia.

"É um samba quase inédito. É a segunda vez que mostro ao público. Espero gravar, muito em breve", anunciou em sua primeira interação com o público paulistano.

Em entrevistas recentes, Paulinho revelou o desejo de lançar um disco de inéditas, eventualmente, apesar da pouca familiaridade com as plataformas de streaming. "Se você disser: quer gravar agora? Sim, posso gravar músicas novas que tenho. Mas como? Como isso vai ser lançado? É um disco? Mas não tem uma forma física? Ainda não sei como vou fazer isso, mas pretendo fazer. Tem que ser feito", afirmou em novembro.

A partir daí, Paulinho se portou como testemunha ocular do samba carioca e, de várias formas, narrador desta história. Além de canções escritas por ele, o roteiro do show de 80 anos traz outros bambas, como Cartola ("Acontece"), Lupicínio Rodrigues ("Nervos de Aço"), Elton Medeiros ("Onde a Dor Não Tem Razão") e Zé Keti ("Samba Original").

Não à toa, "Bebadosamba", de 1996, entrou no repertório, para que Paulinho citasse nominalmente cerca de 40 entidades do universo do samba, de Paulo da Portela e Pixinguinha a Nelson Cavaquinho e Chico Santana.

Entre algumas músicas, ele usava de sua conhecida elegância misturada com timidez e gentileza para contar causos vividos com alguns destes nomes, como quando pediu autorização a Cartola para gravar "Acontece". "Dizem, não podemos provar, que ele guardou a música por muito tempo porque queria que uma cantora gravasse, mas ela não gravou por alguma razão."

O público se divertia e aplaudia, com gritos de declaração entre os números musicais, por mais que não tenha protagonizado tantos coros ao longo do show.

PORTELA

Ora em pé, ora sentado, quase sempre com seu cavaquinho, Paulinho não deixou de homenagear sua escola de samba do coração, a Portela. Centenária em 2023, a agremiação teve um desfile turbulento e acabou ficando em décimo lugar no carnaval carioca, sua pior performance em 18 anos.

Paulinho desfilou com a velha guarda no carro abre-alas, embora, para muitos portelenses, ele deveria ter sido o enredo do ano comemorativo. No palco, o músico não chegou a citar o Carnaval que passou, mas exaltou a Portela em canções como "Passado de Glória", de Monarco, e "Esta Melodia", de Bubu da Portela e Jamelão. "Eram sambas muito cantados na quadra da escola, no começo da década de 1960, quando lá cheguei ainda muito jovem", lembrou.

A coirmã Mangueira também foi contemplada no show com "Sei Lá, Mangueira", parceria com o poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho, responsável direto por Paulinho abandonar a carreira de bancário para abraçar seu dom como sambista.

"Achei que Hermínio usaria a música em um projeto dele sobre a Mangueira, mas ele acabou inscrevendo em festival de São Paulo e ela foi selecionada. Entrei em pânico, porque eu era diretor da ala de compositores da Portela. Foi um aperto", contou o vascaíno, roubando risadas do público.

A reta final do show reservou, inclusive, algumas das melhores interações entre sambista e fãs, especialmente nos sucessos "Dança da Solidão", "Coração Leviano", "Timoneiro" e "Foi Um Rio que Passou em Minha Vida", que encerrou o bis às 23h30.

O show marcou a estreia da turnê que celebra seus 80 anos, completados em novembro, como um dos maiores patrimônios vivo do samba brasileiro. Depois de fazer alguns shows esporádicos no ano passado —entre eles o que substituiu de última hora o do colega Zeca Pagodinho no festival Turá, em julho, por conta da Covid-19—, esta é a primeira turnê do sambista desde o início da pandemia, em 2020.

Além de São Paulo, Paulinho já confirmou shows em Vitória, Porto Alegre, Recife, Maceió, Rio de Janeiro, Curitiba e João Pessoa até agosto.