o dia passa como o vento

os reflexos do céu nos automóveis

como o instante do pôr e do nascer sol

*

o dia passa como os pratos de um rodízio

a impaciência com quem estava à sua frente

indeciso sobre uma folha de alface

*

o dia passa

como sua impaciência com a cerveja que não vinha

enquanto o garçom agia

como um ladrão de festas

*

o dia passa como os fantasmas que nos deixam dúvidas

a sombra dos galhos que se mexem

e tudo muda

porque nada mais é igual

*

o dia passa como o plantio e a colheita da rosa

breve como a Ave-Maria

os sinos das seis

os véus da fé do fiel e do pagão

*

o dia passa

e há um escombro inegociável

um fragmento de oração

que rasga a alma e as palavras

mais incomuns da língua

*

porque éramos de uma felicidade

genuína e falseadora

um ato de mágica

de plumas que se levantam e se vão

mas a dor não se revoga nem se consola

*

por tudo isso

(e pelo nunca mais)

apelo ao voo de um pássaro

porque não veio a crônica

mas nasceu o poema

porque você se foi