Para adoçar sinhá
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 18 de outubro de 2000
Antes que os flans, pudins e cremes fossem encaixotados dentro de lindas embalagens coloridas, um dos sabores da minha infância impossível de deletar da memória gustativa, era um doce chamado Natilhas. Que ao pé da letra se traduziria como Pequenas Natas. Cremoso e amarelinho, minha minha mãe raspava em cima casca de limão, que é excelente tempero para doces, e a imprescindível canela. Quando ela estava com paciência, depois de bater durante algum tempo em banho-maria os ovos, o leite e, sim, umas gotas de essência de baunilha, fazia um suspiro rápido e levava ao forno. Gelado, era uma verdadeira ambrosia, perfumado e leve, sem parecer mingau, um creme maravilhoso que comíamos com bolachas doces. Muitos anos e caminhos e viagens depois, descubro, irônicamente surpresa e deliciada, que o doce que minha mãe servia com tanta simplicidade, ora, ora ora, não era outro senão o famoso, francesíssimo e aclamado Créme Brulée.
Doces cremosos, e agora fora de moda, como manjar branco, ambrosia, pudim
de leite, curau, eram feitos antigamente de forma ritualística. As mulheres se reuniam para fazer curau e era um acontecimento. Às crianças se reservava o direito do despalhamento das espigas. As mocinhas ralavam tudo em grandes bacias, as casadas, espremiam os caldos, e as velhas, com as pernas já calejadas de ficar em pé, mexiam os tachos, davam o ponto e temperavam caso fosse necessário. Tive uma infância bastante rural e fui agraciada algumas vezes com cenas como essa, dignas dos quadros de Vermeer e Brueghel.
Como a vida moderna fez muitas coisas perderem a magia, crianças de hoje não conseguem apreciar os doces antigos, é preciso que a sobremesa também seja de marca. Portanto, para que meus filhos aceitassem as Natilhas, passei a fazê-las igualmente deliciosas, porém como convém a camponesas-cozinheiras-medievais-modernas, em muito menos tempo, e de caixinha, que devem ser deixadas bem a mostra como prova da grife da sobremesa.
RECEITA
Natilhas para as matilhas
(para 6 pessoas)
Compre 2 caixas de creme sabor baunilha.
Coloque na panela seguindo as instruções do fabricante. Antes de começar a
cozinhar bata bem um ovo inteiro e acrescente à mistura. Cozinhe, mexendo sem parar até engrossar. Despeje o creme em forma de vidro ou louça, ou taças individuais. Separe as claras de 3 ovos (faça outras coisas com as gemas) e bata acrescentando açúcar refinado e gotas de limão até virar suspiro.
Espalhe o suspiro sobre o creme, dando o formato que quiser, com um garfo ou improvisando com um saco plástico de congelar um rápido e barato saco de confeitar. É só cortar uma das pontas.
Polvilhe com canela e leve ao forno quente só para dourar o suspiro. Querendo pular esse trabalho, caramelize açúcar e jogue em cima do creme que deve então já estar gelado. Créme Brulée para sinhazinhas destes tempos, com pouco tempo. Tão delicioso quanto, mas, pena, com muito menos magia.
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