SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem saiu para a noite eletrônica de São Paulo no início deste ano tinha a certeza de que 2020 seria um estrondo para a cena de festas alternativas -- e que seus DJs, produtores e bandas, com turnês marcadas para os verões europeu e americano, seguiriam firmando o nome da cidade como uma das capitais mundiais da jogação.

Mas a pandemia trancou esses artistas em seus apartamentos enquanto fez surgir uma cena de festas secretas de pegada mais comercial.

A alta temperatura começou em fevereiro, com o som gótico do americano Curses lotando o Teatro Mars numa edição memorável da Sangra Muta e, na semana seguinte, levando milhares ao delírio na Fabriketa, galpão no Brás que recebeu a maior edição da história da Blum. Isso era só o aquecimento para os cinco anos da ODD, que seriam comemorados em abril, e para uma aguardada apresentação do DJ Tennis na festa Carlos Capslock, no mesmo mês.

Em paralelo, a Teto Preto -- banda surgida na festa Mamba Negra -- se preparava para uma apresentação no gigantesco festival Roskilde, na Dinamarca, depois de ser contratado para produzir músicas em espanhol pelo selo mexicano Onda Mundial, e Loïc Koutana, o performer do grupo, estava animado com o lançamento de seu primeiro disco solo como cantor.

O coronavírus gongou essa festa, e o que parecia ser uma paralisação temporária da noite se mostrou indefinida. Todos se deram conta da gravidade da situação quando o Berghain, em Berlim -- casa noturna icônica da cena underground de techno -- fechou as portas no início de março e cancelou a sua programação repetidas vezes nos meses seguintes, até virar um espaço expositivo. O KitKat, também na capital alemã, se transformou num centro de testes para Covid.

Com as baladas paradas, Berlim pôs de pé o bem-sucedido projeto United We Stream -- que arrecadou centenas de milhares de euros para os profissionais da noite --, além de ter iniciado uma profusão de lives de DJs tocando para pistas sem público.

Em São Paulo, as transmissões eram feitas das salas das casas dos DJs mesmo. Foi marcante a live inaugural da ODD, uma das primeiras festas a usar o Twitch como plataforma e a se valer de uma série de efeitos visuais, a exemplo das formas geométricas psicodélicas que se sobrepunham à DJ Guillerrrmo enquanto ela tocava --de costas para a câmera, porque o que interessa é a música.

Vale lembrar ainda as animadas festas virtuais de sexo do Zig, para matar as saudades de ver todo mundo pelado na pista quente, muito quente do clubinho do centro paulistano.

O ano também foi marcado por uma tentativa de envergonhar grandes DJs que pouco se importaram com o coronavírus. O Business Teshno, um perfil de Twitter e Instagram, registrou em suas redes sociais a participação em raves e megaeventos na Europa, nos Estados Unidos e no México de alguns dos DJs mais requisitados do mundo, como Amelie Lens, Dixon e Sven Vath.

Escorados no status de estrela e no conforto financeiro, esses profissionais poderiam ter ficado parados durante a pandemia, mas decidiram lotar pistas e ajudar a adoecer centenas de pessoas nos primeiros países a viverem a segunda onda da Covid.

Em meados de agosto, por exemplo, a DJ de techno Amelie Lens postou uma imagem sua descansando numa piscina na Itália, como se estivesse em férias, mas na verdade ela estava no país para tocar numa rave. Não há, no entanto, qualquer registro da festa, onde as pessoas estavam sem máscara e coladas umas nas outras, em seu Instagram. A maioria dos DJs que se apresentaram nas "raves da praga", como ficaram conhecidas, ocultaram as fotos desses eventos de seus perfis.

Essa vergonha os DJs paulistanos da cena alternativa não passaram, mesmo tendo muito menos estofo financeiro em relação aos artistas de fora para aguentar um período indefinido sem trabalhar. Foram poucos os que tocaram nas festas secretas em São Paulo e, quando foi possível retomar as atividades, as casas noturnas voltaram com o público sentado e o DJ distante, isolado do contato com as pessoas na cabine mas feliz de retornar à noite.

Por outro lado, quem procurava algo mais comercial não teve dificuldade de encontrar festas para milhares de pessoas --sem máscara e bem juntinhas-- no auge da pandemia. O Indústria Club reuniu uma série de DJs de house a 30 minutos de São Paulo em diversos festivais organizados de forma clandestina e com endereço divulgado poucas horas antes da festa num grupo de WhatsApp.

Bombaram também festas de pagode, funk e hip-hop na zona norte da cidade e jantares que viravam pista no Sutton, na avenida Faria Lima --ou seja, tinha para todos os bolsos.

O lugar de destaque do retorno foi o clube Caos, comandado pela DJ Eli Iwasa, em Campinas, no interior paulista. O amplo espaço de estética industrial se mostrou acolhedor, com bancos e mesas de madeira e plantas por todos os lados, para receber a cada sábado alguns dos principais DJs paulistanos, como Davis, Cashu, L_cio, Marcio Vermelho, Carlos Capslock e Valentina Luz, que tocavam sets de várias horas de duração. A própria dona do clube, em entrevista em abril, previu a volta da cena com mais nomes nacionais e menos estrangeiros.

Quem também salvou os clubbers quarentenados foi Claudia Assef com seu "Todo Mundo é DJ", programa online que a jornalista desenvolveu para contar a fundo a história de um DJ brasileiro a cada edição. Os 60 minutos semanais eram divertidos, com um quadro em que os convidados adivinhavam a música que estava tocando --a partir de um vinil, é claro--, num formato que lembrava a MTV dos anos 1990.

Eterna defensora da cultura clubber, Assef traz agora a primeira boa notícia da noite em 2021. Ela transformou uma sala do Centro Cultural Olido na Galeria do DJ Sonia Abreu. O espaço, a ser inaugurado no final de janeiro, terá uma exposição permanente com fotos históricas, flyers de festas que marcaram época, discos de vinil, figurinos e uma instalação audiovisual cobrindo os 60 anos de discotecagem em São Paulo.

Se a vacina finalmente chegar, as pistas devem voltar, e o babado promete ser forte.

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Bombou

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Flopou

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