“The Eddy”, dirigida (entre outros) por Demien “La La Land” Chazelle e em exibição integral na Netflix com seus oito capítulos de única temporada, é atraente coquetel de fina estampa musical, sonhos parisienses e realidades ameaçadoras. O drama é construído à imagem do jazz, entrelaçado com elementos muito livres, oscilantes, que tomam emprestado vários estilos – de musicais a thrillers sobre máfias, passando por dramas psicológicos, pelo naturalismo social dos bairros de classe trabalhadora nas franjas de Paris à mistura étnica e religiosa.

“A beleza não dura, as coisas bonitas são frágeis e tendem a morrer de alguma forma”. Estamos na Paris contemporânea (mas com reverberações existencialistas) e um professor dá aula sobre o poeta francês Baudelaire, e logo após os alunos de ensino médio lidam com a matemática, com um problema que consiste em “agrupar os mesmos elementos”. Essas duas referências fornecem precisa ressonância às improvisações de jazz que estão no coração de “The Eddy”, produção alguns anos-luz à frente da rotina via de regra reincidente do streaming. Na virtuosa sequência de abertura do primeiro episódio, a câmera no palco voa da cantora Maja ( a polonesa Joanna Kulig, brilhante em “Guerra Fria”) ao piano do americano Randy Kerber, passando pela bateria de Katharina (a croata Lada Obradovic), pelo saxofone de haitiano-canadense Jowee Omicil), pelo contrabaixista Jude (o cubano Damian Nueva Cortes) e o trompetista francês Ludovic “Ludo” antes de viajar para os bastidores para seguir Elliot (André Holland), músico nova iorquino famoso, auto exilado em Paris e estressado dono do clube “The Eddy” ao lado do amigo, o árabe Farid (ótimo Tahar Rahim).

A dupla quer transformar o local em lugar da moda, mas não é nada fácil: enquanto sobra talento para a banda, falta dinheiro. Além disso, as ligações familiares dos protagonistas estão longe da estabilidade, com conflitos emocionais à tona. O cotidiano se alterna entre ensaios incansáveis e desapego, inspiração e desilusão, solidariedade e desconexão, emoções intensas e perigos trazidos pelo submundo.

Com um esquema bem transitado por escritores de séries recentes, “The Eddy” não abandona nunca a dinâmica do clube e dos músicos; e dedica cada episódio a um personagem diferente, incluindo alguns que parecem muito colaterais e secundários na trama, permitindo que o espectador abra o alcance dramático, às vezes de maneira inesperada. Narrado em longos planos-sequência com uma câmera incansavelmente na mão, o franco-americano Chazelle (nos dois primeiros episódios; os demais são divididos entre a francesa Houda Benyamina e a marroquina (Laila Marrakchi) filmou em 16mm com a contribuição do brilhante iluminador francês Eric Gautier). Há um estilo visível de cinema-vérité, misto daquela intensidade da nouvelle vague com John Cassavetes. Isto não deve parecer muito estranho, já que, em última instancia, é uma narrativa que tenta sintonizar (muitas vezes consegue) o espirito do jazz e estabelecer uma ponte entre duas cidades que se musicalmente se admiram (e se completam, por que não ?), Nova York e Paris.

A minissérie – certamente, compreensivelmente, não é uma unanimidade entre o cardápio de preferencias – é retrato sincero e rigoroso sobre a vida de um artista e das preocupações existenciais e financeiras que a acompanham. O roteiro encontra o equilíbrio correto entre o respeito pelos códigos das série de tevê e as nuances pessoais dos criadores entre artifício e realismo, balanceados entre uma paisagem urbana parisiense e um elenco internacional. E para quem nunca transitou pela área, ou é resistente, é ótima trilha para um trânsito libertário pelas vertentes sempre insinuantes do jazz.