"Nas horas sombrias, quando minha inutilidade me é brutalmente revelada, o que fazer senão reencontrar seu rosto verdadeiro, esquecido em algum lugar na floresta, nos campos, na montanha, à beira do mar, no meio dos pássaros?" Essas palavras de Olivier Messiaen (1908-1992) dão uma medida de seu panteísmo cristão. Em 1955, só pediu uma coisa ao responsável pelo programa impresso do concerto em que estreava sua peça O Despertar dos Pássaros: "Não coloque nenhuma biografia e nenhuma consideração humana em meu texto analítico: eu desejo desaparecer diante dos pássaros".

Mais: na partitura dá um conselho aos pianistas que pretendam tocá-la: "Como peço ao pianista, em suas cadências, a imitação dos ataques de um grande número de pássaros, recomendo alguns passeios na floresta, na primavera, sobretudo bem cedo, de manhã, para conhecer in loco seus modelos".

Essa magia que faz dele um dos mais originais e criativos compositores do século 20 transferiu-se para o palco da Sala São Paulo, na última quinta-feira, 7. Talvez pela presença de Heinz Holliger no pódio, músico de exceção e parceiro preferencial de Messiaen; outro tanto pelos músicos da Osesp absolutamente engajados na maravilhosa "viagem" sonora que começa nos cânions de Utah e nos transporta para os pássaros e as estrelas. Uma obra-prima de quase 2 horas que jamais cansa. Ao contrário, magnetiza nossos ouvidos, leva-nos a compartilhar com o compositor, Holliger e os músicos o momento privilegiado de recriá-la ali diante de nós. Um dos melhores, senão o melhor concerto do ano.

Por um curto espaço de tempo (e uso espaço e tempo de propósito, porque essas são as categorias com as quais Messiaen "brinca"), ele demonstra poeticamente esta verdade: que "a música é um perpétuo diálogo entre o espaço e o tempo, entre o som e a cor; o espaço é um complexo de tempos superpostos, os complexos de sons existem simultaneamente como complexos de cores. O músico - que pensa, vê, ouve e fala por meio desses conceitos fundamentais - pode, em certa medida, aproximar-se do Além".

Treze partes, 44 músicos em cena, grupos bem definidos - os metais e as madeiras que Messiaen trata como se fossem teclas do órgão da Igreja da Trinité em Paris, que tocou semanalmente por mais de 50 anos; as cordas; a farta percussão; e os admiráveis solistas.

A começar com o sensacional pianista Ueli Wiget e o não menos fabuloso Luiz Garcia e sua trompa mágica, sem contar Ricardo Righini na marimba e Eduardo Gianesella no glockenspiel, no mesmo elevadíssimo nível de execução desta obra difícil e, ao mesmo tempo, universal.