Oscar e Carnaval: os campeões deste domingo
O que exaltar na interpretação de Fernanda Torres? O comedimento de gestos e comportamento, como uma mãe de família dilacerada, mas corajosa
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sábado, 01 de março de 2025
O que exaltar na interpretação de Fernanda Torres? O comedimento de gestos e comportamento, como uma mãe de família dilacerada, mas corajosa
Celia Musilli

Uma coincidência de datas une duas atrações para os brasileiros neste domingo (2), o Carnaval, que já explodiu no País esta semana, e a cerimônia de entrega do Oscar, com nosso cinema fazendo bonito com três indicações: melhor filme e melhor filme estrangeiro para "Ainda Estou Aqui", de Valter Salles, e de melhor atriz para Fernanda Torres.
Fernandinha faz parte daquela linhagem de artistas que tiveram pai e mãe nos palcos. No seu caso, os talentosos Fernando Torres e Fernanda Montenegro, uma família que fazia refeições nas coxias e está entre os nomes mais importantes do teatro brasileiro. Uma família de artistas, forjada no rádio desde os anos 1940, e que fez o chamado "teatro de resistência" nos anos 1970, em plena ditadura militar.
O filme que levou ao Brasil ao Oscar também é sobre essa fase política. O sequestro e assassinato do deputado federal Rubens Paiva pelos órgãos de repressão, em 1971, é uma das páginas mais tristes da história recente do País.
Mas o que exaltar na interpretação de Fernanda Torres? Sobretudo o comedimento em gestos e expressões como uma mãe de família dilacerada, mas corajosa, enfrentando com os filhos um Estado criminoso que sequestrava pessoas em suas próprias casas para nunca mais voltar.
As circunstâncias da morte de Rubens Paiva, pai do escritor Marcelo Rubens Paiva, cujo livro inspirou o filme, é uma das páginas mais hediondas da fase da repressão; seu corpo nunca foi encontrado e a família esperou até 1991 para obter, ao menos, o atestado de óbito, um atestado que só foi corrigido em janeiro deste ano por não se tratar de "morte natural", mas de morte causada pela violência do Estado.
Inicialmente, o não-reconhecimento de sua morte implicava até no fato de a família não poder agir juridicamente sobre seus direitos. Aí entrou a coragem de Eunice Paiva, esposa de Rubens, magistralmente interpretada por Fernanda Torres porque a atriz privilegia em seu papel o comedimento, no lugar da dramatização excessiva, o que a diferencia da interpretação de Demi Moore em "A Susbtância", uma das principais concorrentes ao prêmio de melhor atriz.
Uma das cenas mais emocionantes de "Ainda Estou Aqui" é aquela em que Eunice (Fernanda Torres) leva os filhos a uma sorveteria e, vendo outras famílias felizes e completas, dá mostras de seu sofrimento íntimo sem, no entanto, dar bandeira da tristeza ao lado dos filhos órfãos. O sentimento de não transbordar o drama, mas contê-lo em ações mínimas e sensíveis, faz de Fernanda Torres uma grande atriz.
Ela interpreta na medida exata o papel da mãe que contém o próprio luto na presença dos filhos e enfrenta a vida. Neste sentido, vai ao encontro de tantas outras mães brasileiras que dão sequência à vida familiar mutilada por uma violência inconcebível, como a morte de seus filhos ou parceiros por razões políticas - como no caso desta história - ou pelo simples fato de pertencerem a classes menos favorecidas que continuam vítimas da polícia e da repressão do Estado.
"Ainda Estou Aqui", independentemente das estatuetas do Oscar, já foi visto no Brasil por 5,2 milhões de espectadores que assistem a uma dura lição de abuso do Estado e a uma grande lição de defesa da democracia. Este já é o seu maior prêmio.

