O eterno Maluco Beleza faria 80 anos no último sábado (28). Se estivesse por aqui, Raul Seixas certamente faria do bolo uma experiência metafísica e brindaria à vida com muito rock, filosofia e contracultura. Ainda que tenha partido cedo, aos 44 anos, o artista deixou uma obra que não envelhece, feita de letras visionárias, críticas sociais destemidas e a sonoridade que o consolidou como Pai do Rock Brasileiro.

Também na semana passada, foi a vez de recebermos a estreia de "Raul Seixas: Eu Sou", série de oito episódios na na Globoplay. A minissérie, escrita e dirigida por Paulo Morelli e Denis Nielsen, foi lançada no dia 26 de junho, exibindo Ravel Andrade no papel do imortal. A produção propõem uma imersão nas décadas de 1970 e 1980, apresentando sem filtros os altos e baixos do cantor e compositor.

Raul Seixas, em foto de 1984,  faria 80 anos no dia 28 de junho, Globoplay exibe série em sua homenagem
Raul Seixas, em foto de 1984, faria 80 anos no dia 28 de junho, Globoplay exibe série em sua homenagem | Foto: Renato dos Anjos/ Folhapress

De momentos célebres de sua carreira, marcada por 17 discos lançados durante 26 anos, a declínios na saúde física e mental, a obra nos convida a refletir sobre a grandiosidade de um marco que atravessa gerações.

Sua história se entrelaça à de outros ícones que viveram o mesmo tempo e que envelheceram sem perder o brilho e a potência artística. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Milton Nascimento… Nomes que, como Raul Seixas, foram moldados pelo turbilhão cultural dos anos seguintes a 1960, e que agora, também na faixa dos 80 anos, seguem ativos, criativos e extremamente relevantes para a música e a cultura brasileira. Gigantes que continuam criando com amor à música e à arte, como se o tempo fosse apenas um detalhe.

GILBERTO REI

E sobre tempo, poucos o manipulam com tanta leveza, reverência e consciência quanto Gilberto Gil. Aos 82 anos, o baiano sobe ao palco com uma nova turnê, anunciada como a última.

O nome escolhido não poderia ser mais simbólico: “Tempo Rei”. Um título que, desde 1984, reverbera como resposta a “Oração ao Tempo”, de seu amigo e conterrâneo Caetano Veloso. Enquanto a música dele surge com uma ideia de que o tempo e aquele que o inventou desaparecerão, a letra de Gil traz um vago desejo de permanência e transformação.

Agora, quatro décadas depois, essa canção batiza o fim da caminhada de um artista que moldou a música brasileira em muitas camadas, do samba ao reggae, do candomblé ao pop, da resistência à poesia. A decisão veio com naturalidade, segundo ele próprio. Uma mudança de ritmo, de foco, de espírito.

Gilberto Gil , 82 anos, apresenta-se neste sábado (5) em Curitiba, em mais uma etapa de sua turnê de despedida
Gilberto Gil , 82 anos, apresenta-se neste sábado (5) em Curitiba, em mais uma etapa de sua turnê de despedida | Foto: Divulgação

A nova turnê estará em Curitiba neste sábado (5), a sexta cidade de seu roteiro, dentre nove que terão a honra de vê-lo no palco pela – talvez – última vez. Em seguida, a série de shows ainda seguirá para os Estados Unidos e Europa, como uma homenagem viva ao legado de Gil.

CAETANO E A INVENÇÃO CONTÍNUA

Também aos 82 anos, Caetano, por sua vez, atravessa um momento de respiro criativo, em sintonia com o presente e com a própria trajetória, depois de uma turnê histórica ao lado da irmã Maria Bethânia. O reencontro, quase meio século após a última série de shows em conjunto, emocionou plateias por todo o País, e agora está imortalizado no álbum ao vivo “CAE ⟷ BTH”, lançado em maio. Entre as 42 músicas em 33 faixas, o samba-reggae “Um Baiana”, uma das canções inéditas do artista, foi revelado discretamente apenas na penúltima apresentação da turnê.

Um presente sutil, como tantos que os dois ofereceram ao longo da carreira.

Para complementar, ainda em produção, um documentário especial deve registrar em imagens a profundidade do espetáculo, que uniu jovens e veteranos diante de dois gigantes em plena forma. A turnê teve início em agosto de 2024 e se estendeu até março deste ano.

Caetano Veloso, 82 anos, emocionou plateias de todo o País com sua turnê com a irmã Maria Bethânia
Caetano Veloso, 82 anos, emocionou plateias de todo o País com sua turnê com a irmã Maria Bethânia | Foto: Fernando Young/ Divulgação

BETHÂNIA: 60 ANOS DE FORÇA

Enquanto Caetano, atualmente, investe em apresentações solo por festivais variados pelo Brasil – a próxima, no Festival de Inverno, na capital carioca, em agosto –, Bethânia se prepara para celebrar, com a força que lhe é própria, os 60 anos de carreira.

Anunciada há pouco, a turnê deve começar em setembro, e a bilheteria já foi aberta ao público na quinta-feira (3). Até o momento, são nove apresentações confirmadas em três grandes cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, onde os ingressos se esgotaram em 90 minutos.

Será uma celebração do caminho trilhado desde os tempos iniciais, quando a menina de Santo Amaro (BA) subiu ao palco pela primeira vez, até se tornar uma das vozes mais majestosas da música brasileira – hoje com 79 anos.

Ao longo de seis décadas, Bethânia, a nossa Abelha Rainha, gravou mais de 60 álbuns e se manteve altiva mesmo quando o mercado musical apontava outros rumos. Lançou o próprio selo, firmou-se como referência de coerência artística e resiliência poética, deixando seu timbre de voz contralto como marca registrada de “Carcará”.

CHICO: MÚSICA E LITERATURA

Da mesma geração luminosa, outro ícone que enriquece o cancioneiro popular nacional completou 81 anos no último mês. Chico Buarque segue presente, mesmo que em passos mais espaçados, dedicando-se a cuidar do corpo com a mesma delicadeza com que sempre cuidou das palavras.

Sua última grande aparição nos palcos como protagonista foi com a turnê “Que Tal um Samba?”, iniciada em janeiro de 2023, onde dividiu o palco com a cantora Mônica Salmaso.

Com ela, Chico percorreu cidades brasileiras e portuguesas, cujo trabalho resultou em um disco duplo homônimo. Só em São Paulo (SP), foram 18 apresentações – todas esgotadas.

Chico Buarque, 81 anos, não é apenas um dos maiores compositores brasileiros como também é premiado como escritor
Chico Buarque, 81 anos, não é apenas um dos maiores compositores brasileiros como também é premiado como escritor | Foto: Francisco Proner/ Divulgação

Mais recentemente, em 1º de junho, ele surpreendeu os fãs com uma participação especial com a potente “Cálice” no show de Gilberto Gil, no Rio de Janeiro (RJ).

Mas Chico não é apenas o compositor de amores e ausências. Também é escritor, e dos bons. Seu mais recente romance, “Bambino a Roma”, lançado em 2024, revisita lembranças da infância vivida na Itália, quando seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda, lecionava em Roma. Uma viagem literária aos anos 1950, feita com a mesma precisão e sensibilidade que marcam sua vasta trajetória artística, entre discos e livros. Não à toa foi o vencedor do Prêmio Camões de Literatura em 2019, o mais importante da literatura em língua portuguesa. O artista carioca o recebeu oficialmente em 2023, em Lisboa, Portugal.

NEY MATOGROSSO, O IRRETOCÁVEL

Se alguns desses mestres caminham em ritmo mais calmo, Ney Matogrosso vive em combustão permanente. Aos 83, o artista que integrou os Secos & Molhados nos anos 70 parece desafiar o tempo. Corpo ágil, voz intacta e presença que ainda desconcerta. Mesmo após tantas décadas, Ney ainda surpreende com uma personalidade única: um intérprete que nunca se encaixou em moldes e, por isso mesmo, tornou-se inclassificável.

Há seis anos, ele bota o “Bloco na Rua”, sua atual turnê, aclamada por mostrar a vivacidade de um artista que sempre posicionou a liberdade no centro de sua arte. O espetáculo, que tem lotado teatros e casas de show por todo o País, reúne canções eternizadas como “Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua” – que não poderia faltar –, “Sangue Latino”, “Rosa de Hiroshima” e “Pro Dia Nascer Feliz”, de diferentes fases de sua carreira e de outros artistas.

Sempre irreverente, com o figurino provocador sendo parte essencial de sua narrativa, o artista sul-mato-grossense continua despertando admiração de pessoas de todas as idades.

No mês passado, um estudante maranhense de 16 anos, Yago Savalla, viralizou nas redes sociais ao imitar Ney Matogrosso em uma apresentação da escola, chamando a atenção pela maquiagem, dança e trejeitos marcantes.

O artista recebeu uma cinebiografia especial, em maio deste ano: “Homem com H”, dirigida por Esmir Filho e estrelado por Jesuíta Barbosa, conquistou as salas de cinema, atingindo uma bilheteria de 600 mil ingressos até chegar à Netflix.

PARA SEMPRE MILTON NASCIMENTO

Em 2022, Milton Nascimento se despediu dos palcos com a turnê “A Última Sessão de Música”. Mas como parte de sua obra, o adeus foi apenas uma metáfora. Aos 81, Bituca é a voz que emociona com ternura e transcendência. Sua “Travessia” continua sendo feita por todos nós, sempre que uma canção sua toca fundo no peito.

E, neste ano, tocou na 67ª edição do Grammy Awards, na categoria de Melhor Álbum de Jazz Vocal com Esperanza Spalding, à qual foi indicado pelo álbum "Milton + Esperanza", de 2024. Também entre os destaques recentes, sua vida ganhou forma audiovisual no documentário “Milton Bituca Nascimento”, dirigido por Flávia Moraes e lançado em março.

Na produção, camadas íntimas do artista meio-carioca-meio-mineiro, com imagens inéditas e bastidores da turnê final.

Assim como Raul Seixas, Milton ajudou a moldar uma era em que a música foi ponte, portal e protesto, e é por isso que ambos, mesmo em caminhos diferentes, seguem vivos em nós.

mockup