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Folha 2 5m de leitura

'Os Bridgertons': uma receita do sucesso

Série não tem vergonha de ser romântica, engraçada, crítica e, às vezes, até bem cafona

ATUALIZAÇÃO
30 de dezembro de 2020

Carlos Eduardo Lourenço Jorge
AUTOR

Não é fake news. Corre por aí, por aqui e por onde mais no mundo a série Netflix já estreou, que – e esta é uma verdade universalmente aceita –, para ter sucesso uma comédia romântica de época, ambientada naquele curto período da Regência Britânica (1811-1820), deve ser, além de divertida, também sedutoramente permissiva e não se levar muito a sério. E “Os Bridgertons” vem sendo avalizada pelo público com um buquê de bondades nesses e em outros quesitos. E se você acaba de maratonar (verbo-modalidade entronizado na Olimpíada dos streamings) pelos seus oito capítulos da temporada de estreia já sabe que este é um animado e feérico folhetim com todos os elementos de drama, sexo e diversidade, um grande e infindável baile capaz de corar de inveja todo o time de dramaturgos da Rede Globo.

A produtora Shonda Rhimes apostou pesado nas peripécias palacianas de um punhado de personagens criados pela escritora americana Julia Quinn e, com a experiência hospitalar das muitas temporadas de “Grey’s Anatomy” e dos imbróglios políticos de “Scandal”, coloca em cena um núcleo familiar aristocrático de Londres, os Bridgertons do título: mãe e sete filhos, dados a conhecer em fogo lento mas em alta temperatura constante.

Simon (Regé-Jean Page) e Daphne (hoebe Dynevor) formam o par central da deliciosa comédia romântica
 

Esta primeira temporada, estrategicamente colocada (para o espectador) neste período de fim de ano, com certeza como aquela válvula escapista para afugentar os fantasmas pandêmicos, e como uma espécie de pré-vacina indolor e alentadora, está centrada em Daphne (Phoebe Dynevor) e seu envolvimento romântico complicado com Simon Basset, duque de Hastings (Regé-Jean Page). Todas as venturas e desventuras, com mais ou menos escândalos dos personagens em desenvolvimento, são registradas segundo a ótica de uma misteriosa cronista de costumes, uma indiscreta colunista social palaciana, Lady Whistledown (que também faz a narração em off, na voz indefectível de Julie Andrews).

Ao som de um arranjo erudito de “Thank You, Next”, de Ariana Grande, e de outros hits contemporâneos que receberam roupagem musical de época, desfilam revelações, romances, ousadias sexuais, tiradas cômicas. O amor está à solta nos bailes (média de um por noite...) e passeios vespertinos ao ar livre. “Os Bridgetons” é uma fantasia paa quem gosta e desfruta de comédias (farsas, dissimulações, tolices?) de época, desde as adaptações de Jane Austem até séries como “Downton Abby”. Mas parece bem claro que o criador desta série, Chris Van Dusen, contesta os limites do retrato de época para criar seu próprio universo. Aqui não importam os anacronismos, pois a realidade na qual se situam os personagensn é um híbrido entre o documentado e o imaginado, uma espécie de limbo onde a idade daquele século XIX se coloca paralelamente grudada aos códigos da contemporaneidade deste nosso século XXI.

Sob este ponto de vista, a série chega àquele ponto onde o decoro colocou barreiras a James Austen. Vemos sexo passional dentro e fora do casamento, masturbações reveladoras, orientações sexuais fora das normas, gravidez não desejada, nudez, lutas e sobretudo diálogos sinceros que escandalizariam muita gente “de bem”. Mas apesar dessa, digamos, ousadia, a série nunca perde vista seu romantismo “square”, os toques de comédia e a essência fantasiosa de sua proposta. E entre toda essa ligeireza e diversão herdadas da comédia romântica há também espaço para o aspecto mais explorado neste tipo de histórias: o lugar e o papel das mulheres na sociedade. As mãos femininas que escrevem e as mãos femininas – são muitas – que dirigem os episódios.

“Os Bridgertons” merece um veredito: uma série que não tem vergonha de ser romântica, engraçada e crítica em certa media. E às vezes até bem cafona.

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