Londrina completa 90 anos e não foram apenas os livros e fotografias que eternizaram sua trajetória. Enquanto o mundo descobria o cinema como uma nova forma de arte no início do século XX, pessoas como Hikoma Udihara e Orlando Vicentini capturavam os primeiros passos de Londrina como cidade. Narrando a história do Norte do Paraná, as memórias preservadas abriram caminho para o crescimento da produção cinematográfica no interior do estado.

De lá para cá, as melhorias tecnológicas, a criação de incentivos culturais e o surgimento de novas gerações de cineastas trouxeram fôlego e contribuíram para a cidade ser considerada atualmente um importante polo de produção na região. Entre esses avanços, o Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), criado em 2003, desempenha um papel fundamental, fomentando centenas de projetos culturais na cidade.

Já o Fundo Municipal de Incentivo à Atividade Audiovisual (FMIA), aprovado em 2020, surge como uma ferramenta promissora para o setor e coloca Londrina entre as poucas cidades brasileiras a contar com esse tipo de instrumento, embora ainda aguarde implementação.

A Kinoarte (Instituto de Cinema de Londrina), idealizada pelo cineasta Rodrigo Grota, foi essencial para impulsionar a produção local no início dos anos 2000 e continua exercendo uma função valiosa no cenário audiovisual da cidade, sob coordenação de Bruno Gehring. Além de desenvolver filmes e projetos de formação audiovisual, o instituto organiza o Festival Kinoarte de Cinema, um dos maiores do País, que há 26 anos destaca produções nacionais ao lado de obras locais e regionais independentes.

Segundo dados do LAVi (Governança do Audiovisual e Economia Criativa), Londrina conta hoje com 39 produtoras registradas na ANCINE (Agência Nacional do Cinema), sendo a Kinopus uma das mais destacadas, com a maior pontuação do Sul do Brasil.

Neste ano, o audiovisual local também alcançou o recorde de captação de recursos, que superou R$24 milhões, além do registro de 12 CPBs (Certificado de Produto Brasileiro).

LEGADO CINEMATOGRÁFICO

Para a FOLHA, Grota, que atua em Londrina há 20 anos e conta com mais de 30 projetos audiovisuais desenvolvidos, destacou a importância dos pioneiros que ajudaram a moldar a realidade atual. “Para mim, filmar em Londrina é sempre dialogar com esses cineastas que nos antecederam, pois eles criaram uma espécie de imaginário cinematográfico da cidade com o qual podemos estar em sintonia ou também agir de forma disruptiva. É a nossa escola clássica, por assim dizer, da qual devemos aprender e também se tornar independente”, afirma.

Rodrigo Grota filmando Londrina Em Três Movimentos: um dos cineastas que colocou Londrina no mapa do cinema nacional
Rodrigo Grota filmando Londrina Em Três Movimentos: um dos cineastas que colocou Londrina no mapa do cinema nacional | Foto: Rodrigo Grota/ Divulgação

Em homenagem especial, revisitamos nove produções cinematográficas londrinenses, listadas com o apoio do jornalista, cineasta e pesquisador Caio Julio Cesaro, que marcaram época e contam histórias que ajudam a compor o rico mosaico cultural londrinense.

1. Preparativos à Visita de Getúlio Vargas (1941) - dirigido por Hikoma Udihara, é o filme mais antigo de Londrina ainda existente e uma das obras mais marcantes do pioneirismo cinematográfico local. Silencioso e captado em 16mm, o curta de 13 minutos documenta eventos históricos ocorridos entre os dias 11 e 15 de novembro de 1941, incluindo o desfile de reservistas em uma avenida, a inauguração da placa de divisa entre Londrina e Sertanópolis, a inauguração elétrica de Nova Dantzig (hoje Cambé) e a recepção ao prefeito Major Blasi.

Em 2003, um projeto patrocinado pelo Promic viabilizou a restauração analógica de cerca de 90 minutos do acervo de Udihara, trabalho realizado por Caio Julio Cesaro com apoio do laboratório Labo Cine, no Rio de Janeiro (RJ), e do restaurador Francisco Moreira. Mais recentemente, entre 2022 e 2023, o pesquisador londrinense pôde remasterizar digitalmente mais 4 filmes, incluindo Preparativos à Visita de Getúlio Vargas.

2. Um Dia Qualquer (1954) - dirigido pelo médico e cineasta Orlando Vicentini, é considerado o primeiro filme de ficção produzido em Londrina e possivelmente em todo o Paraná. Vicentini chegou à cidade na década de 1940, onde conciliou sua profissão da área da saúde com a paixão pela sétima arte. Neste curta-metragem em 16mm e com cerca de 10 minutos de duração, Vicentini ilustrou, com humor e simplicidade, o cotidiano de três crianças de classe média, interpretadas por seus próprios filhos: Archibaldo Vicentini, Heloísa Vicentini e Cecília Vicentini. A trilha sonora se perdeu, e a versão preservada hoje é silenciosa, ainda guardada por Archibaldo Vicentini.

Um Dia Qualquer (1954), de Orlando Vicentini: filme teve a participação de seus próprios filhos
Um Dia Qualquer (1954), de Orlando Vicentini: filme teve a participação de seus próprios filhos | Foto: Acervo Londrina Histórica

3. Londrina 1959 (1959) - também dirigido por Orlando Vicentini, é um documentário que celebra os 25 anos de Londrina, registrando aspectos emblemáticos da cidade durante o Jubileu de Prata. Filmado em 16mm e colorido, o filme reflete o cuidado técnico e o olhar artístico do cineasta, que executou quase todas as funções da produção, desde a direção até a montagem, contando com a colaboração de seu filho, Archibaldo Vicentini.

Originalmente com cerca de 50 minutos, o filme foi reduzido para 20 minutos na versão entregue à TV Coroados (atual RPC) em 1984, durante o Cinquentenário de Londrina. Com o tempo, o áudio original, sincronizado a um gravador, foi perdido.

4. Londrina: Capital Mundial do Café (1962) - dirigido por Renato Melito, registra o auge da cafeicultura na região de Londrina. Melito, nascido em São Paulo (SP) em 1918, dizia que o título do filme havia sido responsável pela popularização do apelido que consolidou a cidade no imaginário nacional. Com uma produção expressiva em 35mm, foi pioneiro do cinema em Londrina, onde chegou em 1945 e criou a produtora Rilton Filmes, dedicando-se ao registro documental de momentos marcantes da cidade.

Acredita-se que Renato Melito tenha feito mais filmes sobre o Norte do Paraná do que o próprio Hikoma Udihara. Entre os seus registros e documentários, estão também a posse do Arcebispo Dom Geraldo Fernandes em Londrina, as primeiras Exposições Agropecuárias da cidade, Jubileu de Prata de Londrina (1959) e Londrina: Terra da Promissão (1969). Infelizmente, apesar da importância, não é possível identificar o destino de algumas dessas obras, bem como maiores informações de ficha técnica.

Londrina:  Capital Mundial do Café (1962), de Renato Melito: nome do filme consolidou a cidade no imaginário nacional
Londrina: Capital Mundial do Café (1962), de Renato Melito: nome do filme consolidou a cidade no imaginário nacional | Foto: Acervo Londrina Histórica

5. Estacionar na Calçada/O Cego (1978) - dirigido por Vicente José Lorenzo Izquierdo, é uma das obras mais emblemáticas e repercutidas do cineasta. Produzido em formato Super 8, o curta de apenas 4 minutos e 3 segundos aborda, de forma cômica e educativa, as dificuldades enfrentadas por pedestres, especialmente deficientes visuais, diante de carros estacionados irregularmente nas calçadas. Conquistou o primeiro lugar no I Concurso Nacional de Filmes Super-8 para Educação de Trânsito de São Paulo. Com um orçamento de 900 cruzeiros, a produção rendeu ao diretor um prêmio de 15 mil cruzeiros e foi exibida na TV Cultura da capital paulista. Apesar disso, não há cópias conhecidas do filme atualmente.

Vicente José Lorenzo Izquierdo: cineasta produziu Estacionar na Calçada/ O Cego, em 1978
Vicente José Lorenzo Izquierdo: cineasta produziu Estacionar na Calçada/ O Cego, em 1978 | Foto: Acervo Londrina Histórica

6. Legal Paca (1987) - dirigido por Antônio Pereira Dias, é o primeiro longa-metragem de ficção realizado em Londrina, mas com equipe de fora da cidade. O filme, produzido em 35mm e com 85 minutos de duração, resgata a tradição das comédias rurais brasileiras, inspirando-se em figuras como Mazzaropi e Teixeirinha. A trama segue um fazendeiro endividado que, ao vender suas terras, causa o desemprego de trabalhadores rurais. O herói improvável da história, Jeca Tatu, tenta reverter a situação. Filmado no patrimônio Regina, zona rural de Londrina, o elenco contou com atores e figuras locais, como Luiz Carlos Alborghetti, o popular Cadeia.

Legal Paca (1987), de Antônio Pereira Dias: primeiro longa-metragem de ficção realizado em Londrina
Legal Paca (1987), de Antônio Pereira Dias: primeiro longa-metragem de ficção realizado em Londrina | Foto: Acervo Londrina Histórica

7. Cine Paixão (2001) - dirigido por Sérgio Concilio e Vera Senise, é um curta-metragem de ficção que, com humor, retrata os desafios enfrentados por uma produção cinematográfica com poucos recursos. A obra traz Rodrigo Fregnan, Ingra Liberato e Ricardo Reis no elenco. Com 13 minutos de duração, é considerada uma declaração de amor ao cinema, tendo sido premiada como Melhor Filme no Goiânia Mostra Curtas no ano seguinte ao lançamento. Produzido por Caio Julio Cesaro, o filme é parte importante da retomada cinematográfica em Londrina na época.

Confira a primeira parte de Cine Paixão:

8. Londrina em Três Movimentos (2004) - dirigido por Rodrigo Grota, é a primeira produção da Kinoarte. O documentário experimental explora uma cidade vazia sob três perspectivas: a natureza, o urbano e o imaginário. Com trilha sonora de Arrigo Barnabé, o curta combina imagens coloridas e em preto e branco para capturar a essência de Londrina em 15 minutos. O objetivo, segundo o diretor, era dialogar esteticamente com o curta Londrina 1959, de Vicentini.

Com estreia no 24º Festival de Música de Londrina, o filme recebeu o prêmio de Melhor Direção na Mostra Municípios da 5ª Goiânia Mostra Curtas, em 2005. A produção contou com o apoio do Promic e diversas parcerias culturais.

Londrina em Três Movimentos, de Rodrigo Grota:

9. Leste Oeste (2016) - de Rodrigo Grota, é o primeiro longa-metragem produzido na cidade com equipe londrinense. Em 2024, a obra completa 10 anos. A história acompanha Ezequiel, um ex-piloto que retorna à sua cidade natal após 15 anos para disputar uma última corrida, reencontrando um antigo amor, o patriarca da família e um jovem de 16 anos que sonha em ser piloto. O elenco conta com Felipe Kannenberg, Simone Iliescu, Bruno Silva, José Maschio, Filipe Garcia, Letícia Conde, Ciça Guirado e Edu Reginato.

Produzido pela Kinopus, com apoio do Promic, o filme de 86 minutos marca um novo capítulo no audiovisual londrinense. Estreou em festivais nacionais e internacionais, conquistando 8 prêmios no Brasil, Estados Unidos, Holanda e México.

Trailer de Leste-Oeste, de Rodrigo Grota: