CURITIBA - O próximo mês de março marca os dez anos da primeira fase da Operação Lava Jato, que ficou ativa de 2014 a 2021. A investigação, reconhecida como a maior ação contra a corrupção já realizada no Brasil, também trouxe à tona as questões envolvendo a aquisição de obras de arte para lavagem de dinheiro.

Em 79 fases, foram milhares de mandados de busca e apreensão no País e no exterior - muitos resultaram na captação de peças artistas famosos como Di Cavalcanti, Vik Muniz, Amilcar de Castro, Iberê Camargo, Salvador Dalí, Tarsila do Amaral, Romero Brito e Cícero Dias.

Tela de Heitor dos Prazeres: uma das obras apreendidas com a doleira Nelma Kodama
Tela de Heitor dos Prazeres: uma das obras apreendidas com a doleira Nelma Kodama | Foto: Theo Marques/ Arquivo FOLHA

Centenas desses quadros foram destinados ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Questionado pela FOLHA, o MON afirmou que, atualmente, 230 obras ainda estão sob a sua guarda. “Em razão de determinações judiciais, o Museu Oscar Niemeyer recebeu distintos lotes de obras de arte para fins de guarda, por apresentar condições técnicas adequadas para a conservação dos bens [...] Entre elas, 12 obras foram destinadas para o Patrimônio da União, por meio do IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus, e estão cedidas para o Acervo do MON em regime de Comodato”, disse em nota.

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O Museu não informou, no entanto, quais os títulos das obras e artistas estão sob o seu cuidado. Porém, é possível ter como base as exposições realizadas pelo MON anteriormente, além das informações divulgadas pela Polícia Federal (PF) quando as peças foram entregues.

Em 2015, 48 obras foram colocadas em exibição para o público na exposição “Obras sob guarda do MON”. Entre elas, estavam três telas de Cícero Dias; a obra “Roda de Samba”, do carioca Heitor dos Prazeres; sete fotografias de Miguel Rio Branco; duas telas do paulista Sergio Sister; uma acrílica sobre madeira de Nelson Leirner; “Homenagem a Mondrian”, e mais dois trabalhos do artista Vik Muniz. Além de exemplares de Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Aldemir Martins, Claudio Tozzi, Daniel Senise, Amilcar de Castro e Carlos Vergara.

Boa parte das obras de arte foram apreendidas nas casas de agentes públicos como Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, ou de operadores como Nelma Kodama, Adir Assad e Zwi Sckornicki.

Um dos lotes de obras de arte que foi entregue ao MON para conservação: atualmente, ainda há 230 telas sob a guarda do museu
Um dos lotes de obras de arte que foi entregue ao MON para conservação: atualmente, ainda há 230 telas sob a guarda do museu | Foto: Theo Marques/ Arquivo FOLHA

Na residência de Duque, conforme a PF, foram encontrados trabalhos de Di Cavalcanti, Guignard, Heitor dos Prazeres, Romero Brito e Alfredo Volpi. Um deles, a pintura ''Ogiva'', do pintor ítalo-brasileiro Volpi, foi adquirida por R$ 399 mil, de acordo com investigações da época.

No apartamento da doleira Nelma Kodama, conhecida como a “Dama do Mercado”, foram apreendidas pinturas de Di Cavalcanti, Cícero Dias e Iberê Camargo.

OBRAS EM MUSEU DO RIO

Além do MON, o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro, também recebeu obras apreendidas na Lava Jato. Doze peças que pertenciam ao doleiro Dario Messer, avaliadas em cerca de R$ 10 milhões, foram doadas ao museu carioca.

Ao todo, são 10 pinturas de Di Cavalcanti, incluindo o quadro "Três figuras femininas (Mulheres com bandolim)", com valor estimado em R$ 3 milhões. As outras duas são "Vendedor de abacaxi", de Djanira; e "Paisagem urbana", de Emerie Marcier.

Dario Messer ficou conhecido como “doleiro dos doleiros” e fechou acordo de delação premiada, abrindo mão de 99% de seu patrimônio. Um acordo entre o Ministério Público Federal (MPF), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) permitiu a transferência das obras para o MNBA.

Obra de Di Cavalcanti: um dos artistas mais valorizados no mercado das artes, teve telas apreendidas com figurões avaliadas em milhões
Obra de Di Cavalcanti: um dos artistas mais valorizados no mercado das artes, teve telas apreendidas com figurões avaliadas em milhões | Foto: Theo Marques/ Arquivo FOLHA

PEÇAS DEVOLVIDAS

Em 2021, o MON recebeu uma remessa com mais de cem obras de arte apreendidas em endereços ligados ao filho do ex-ministro Edison Lobão, Márcio Lobão. Entre elas, pinturas, desenhos, gravuras e esculturas de artistas plásticos brasileiros de renome internacional: Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Anna Bella Geiger, Beatriz Milhazes, Lygia Clark, Mariana Palma, Iberê Camargo, Vik Muniz, Renê Machado e Sandra Cinto.

Essas peças não estão mais sob a guarda do Museu, porque a 13ª Vara Federal de Curitiba determinou, em julho de 2022, a devolução delas para a família Lobão.

LAVAGEM DE DINHEIRO

A Lava Jato revelou que uma das formas mais comuns de os investigados esconderem patrimônio ilícito era adquirindo obras de arte. A última fase, deflagrada em janeiro de 2021, foi batizada inclusive Operação Vernissage.

Segundo a Polícia Federal, após o recebimento das propinas, muitas vezes pagas em espécie, eram realizadas várias manobras pelos investigados para ocultar a origem ilícita do dinheiro, através da aquisição de obras de arte. Na prática, os investigados compravam peças valiosas com pagamento de quantias ‘por fora’. Assim, o real montante negociado não ficava registrado. Tanto comprador quanto vendedor emitiam notas fiscais e recibos, mas declaram valores menores para a Receita Federal.

“Na residência de um dos investigados, foram encontradas obras de arte que apresentavam variações significativas entre o preço de aquisição declarado e o valor de mercado, em patamares de até 1.300%”, informou a PF à época.

Durante o processo da Lava Jato, a Petrobras argumentou que era a principal vítima do esquema de corrupção e, por isso, as obras serviriam como uma reparação. A estatal não obteve sucesso.

Imagem ilustrativa da imagem Onde estão as obras de arte apreendidas pela Lava Jato?
| Foto: Theo Marques/ Arquivo FOLHA