Poucos anos atrás, Olavo de Carvalho era um sujeito praticamente desconhecido. Um simples sujeito que se autoproclamava filósofo e arrebanhava alunos pela internet.

Os anos passaram e hoje Olavo de Carvalho é apontado com o grande ideólogo da extrema-direita brasileira e ilustre guru do bolsonarismo. Residindo nos Estados Unidos formou no Brasil uma legião de discípulos militantes que propagam suas ideias com fidelidade, fé e devoção.

A trajetória polêmica de Olavo de Carvalho nunca foi bem contada. Uma coleção de mistérios e rancores encobre uma existência repleta de histórias nebulosas e contraditórias. A história oficial não consegue explicar as obscuridades de seu passado.

Heloisa de Carvalho escreveu o livro com Henry Bugalho: autores consideram Olavo de Carvalho  “um líder de seita nato”
Heloisa de Carvalho escreveu o livro com Henry Bugalho: autores consideram Olavo de Carvalho “um líder de seita nato” | Foto: Divulgação
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Agora chega às livrarias um livro que se propõe a esclarecer as obscuridades do passado de Olavo de Carvalho. Ou simplesmente colocar mais lenha na fogueira da polêmica.

Escrito pela própria filha primogênita de Olavo, Heloisa de Carvalho, em parceria com o escritor Henry Bugalho, “Meu Pai, o Guru do Presidente” traz o depoimento íntimo de uma filha negligenciada pelo pai: “A minha história é de abandono, de negligência. De abandono intelectual e emocional, pois, para Olavo, todo o universo gira em torno dele e de suas necessidades. Assim como na Astrologia, na qual todos os astros e todo o universo giram em torno do indivíduo, Olavo se entendia assim: ele primeiro, depois ele novamente e, talvez, mais à frente, os demais.”

Lançado pelas editoras Kotter e 247, num primeiro momento o livro pode parecer o relato de uma filha ressentida que odeia o pai. As revelações são impactantes, impressionam. Vale lembrar que Heloisa de Carvalho, ao publicar anos atrás um texto nas redes sociais falando sobre sua infância e juventude vivida ao lado do pai, acabou sofrendo dois processos jurídicos impetrados pelo próprio Olavo.

Num segundo momento a obra se revela uma leitura da trajetória de Olavo e de seu método de atuação ideológica. Nos princípios de Olavo não haveria a possibilidade de diálogo de ideias, de uma convivência com as diferenças ou de uma conversa humanitária: “É verdade que Olavo ajudou a lubrificar o ideário direitista brasileiro, mas às custas do empobrecimento do diálogo e da racionalidade. A contribuição do meu pai foi a desintegração do diálogo amistoso, pois, como ele mesmo disse em diferentes circunstâncias, a intenção não é confrontar as ideias dos opositores, é destruí-los.”

Os autores defendem a tese de que essa fidelidade militante de alunos e discípulos é fruto da capacidade de Olavo de Carvalho ser “um líder de seita nato”. E que o chamado “olavismo” poderia ser considerado uma “seita ideológica”. Segundo Heloisa, desde muito jovem o pai “integrou certos grupos e, quando se viu na posição para tal, passou a liderá-los”.

Olavo teria sido líder de várias seitas de esoterismo, de astrologia, de ocultismo e de misticismo. Em 1982, por exemplo, liderou a polêmica seita Tradição que acabou na polícia como caso de extorsão. Outro exemplo: em 1984 se converteu ao Islã e passou a liderar uma organização sufi. Ganhou o nome de Sid Mohammad Ibrahim e adotou a poligamia vivendo com três esposas. Segundo Heloisa, todas as seitas se

desintegraram em pouco tempo devido ao caráter do pai: “Olavo sempre foi um fator de agregação de pessoas, mas ele também sempre foi uma força de entropia. Provocar conflitos e desordem era com ele mesmo.”

Para Heloisa, existe uma contradição entre o que o pai “diz acreditar e o que ele pratica, entre os valores que ele defende e como vive e age”. E oferece um exemplo: “Meu pai é um típico exemplo de alguém que se torna aquilo que ele mesmo condena. Aliás, isto fica ainda mais evidente na máxima tão repetida por Olavo e seus seguidores, atribuída apocrifamente a Lênin: ‘acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é’. Se há alguém que segue esse princípio ao pé da letra, este é Olavo de Carvalho, sempre acusando os outros do que ele faz e chamando-os daquilo que, na verdade, o próprio Olavo, se tiver a mente minimamente sã, só pode pensar a respeito de si mesmo.”

Essa contradição também estaria em sua imagem de bom cristão defensor do conservadorismo, da moral e dos bons costumes: “Meu pai se apresenta como defensor dos valores conservadores, e eu sempre me indago quais são estes valores que ele e seus discípulos querem preservar. Eles se dizem cristãos, mas a mensagem que pregam é o extremo oposto da mensagem do cristianismo. Onde você vê Jesus pregando o amor ao próximo, Olavo prega a destruição dos opositores. Onde você vê Jesus pregando a mansidão, Olavo insulta as pessoas. Onde você vê Jesus pregando a caridade com os pobres, vemos o desprezo que Olavo tem pelos necessitados. Onde você vê Jesus pregando a tolerância, temos Olavo incitando o ódio contra as minorias. Se Olavo e seus discípulos defendem algum tipo de cristianismo, então é certamente o tipo de cristianismo dos inquisidores, daqueles que queimavam bruxas e torturavam hereges, jamais aquele cristianismo puro de amor e respeito.”

Segundo Heloisa de Carvalho e Henry Bugalho, a instalação deliberada de conflito e desordem seria um dos elementos do método de atuação de Olavo. O conflito seria gerado através da propagação pelas redes sociais de ofensas gratuitas e destruição de reputações: “Olavo compreendeu o poder das ofensas, num mundo tão polarizado, como um fator de agregação de revolta no interior das pessoas.”

Em outras palavras, a ferramenta de sua “guerra cultural”, ou de sua “cruzada ideológica”, ou de seu “discurso de ódio”, seria instalar a desordem para gerar uma nova ordem de poder monopolista e totalitário. E não bastaria apenas vencer, seria preciso extirpar a oposição da sociedade e da política: “Olavo tem esse delírio megalomaníaco de ser o maior pensador brasileiro vivo, que lhe é repetido de maneira incessante por seus seguidores, ele simplesmente não consegue compreender por que há tanta rejeição ao que ele diz e pensa. A explicação mais lógica é que ele consegue encontrar está calcada em teorias conspiratórias, e que mais uma vez revelam a personalidade paranóica de Olavo: estariam todos conspirando contra ele, o tempo todo.”

Fato curioso é que “Meu Pai, o Guru do Presidente” deveria ser lançado no ano passado por uma grande editora do mercado. Mas, diante do quadro político nacional, a editora optou por cancelar a publicação do livro temendo perseguição ou represarias econômicas do governo federal influenciado pelo “olavismo”. O livro então acabou saindo agora em janeiro pelas mãos de duas pequenas editoras, a curitibana Kotter em parceria com a editora 247.

Esse fato exemplifica outra tese apresentada pelos autores de “Meu Pai, o Guru do Presidente”: qualquer um que questione as ideias e condutas de Olavo de Carvalho pode ser imediatamente considerado, por ele e por seus discípulos, um inimigo a ser ofendido, odiado, humilhado, execrado, anulado e destruído. Alguém declarado moralmente morto para todo o sempre, assim na terra como no céu. Algo como o arquétipo do guro do eterno rancor.

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Serviço:

“Meu Pai, o Guru do Presidente”

Autor – Heloisa de Carvalho e Henry Bugalho

Editora – Kotter / 247

Posfácio – Carlos Velasc

Páginas – 160

Quanto – R$ 54,90