Obra de Hans Staden é relançada no Brasil
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 29 de março de 2000
Cynara Menezes
Agência Folha
Um clássico do Brasil recém-descoberto está sendo relançado agora: A Verdadeira História dos Selvagens Nus e Ferozes Devoradores de Homens, Encontrados no Novo Mundo, a América, de Hans Staden, soldado alemão que cruzaria o Oceano Atlântico como arcabuzeiro - que atirava com uma arma de fogo portátil. Transformado em filme por Luiz Alberto Pereira (estreou este mês em São Paulo), o relato é, ao lado de títulos como Mundus Novus, atribuído a Américo Vespúcio, um dos livros que, no século 16, saciaram a curiosidade dos europeus sobre as novas terras e que se tornaram best sellers - embora, na época, talvez nem existisse termo semelhante.
O alemão conta no livro, impecavelmente reeditado pela carioca Dantes Livraria e Editora, a história de suas duas viagens ao Novo Mundo: a primeira, em 1547, que duraria 16 meses, pelo litoral pernambucano, e a segunda, dois anos depois, quando acabaria sendo capturado no litoral paulista e mantido prisioneiro pelos índios tupinambás por nove meses. Aí se concentra o filme e é onde estava, na Europa, o interesse do relato. Os tupinambás praticavam o canibalismo, parte fundamental do imaginário do velho continente a respeito da América, embora de fato poucas tribos tenham se dedicado ao consumo de carne humana. E, afinal, tampouco Staden foi devorado.
Os tupinambás o aprisionaram pensando que fosse português. Os portugueses eram seus inimigos, e Hans Staden tentava convencer os índios de que na verdade era alemão e amigo dos franceses, que haviam conquistado a simpatia da tribo com facas, machados, espelhos, pentes e tesouras, trocados por pau-brasil e algodão.
O que salvou o aventureiro foi a religião: os supersticiosos índios creditavam qualquer doença ou calamidade na tribo à ira do Deus invocado por Staden em suas preces, e, ameaçado de morte diariamente, não eram poucas as vezes em que pedia a proteção divina. Em seu relato, fala de milagres a ele concedidos e diz que escreve o livro não por ter vontade de contar novidades, mas sim para trazer à luz do dia o benefício que me foi concedido por Deus.
O livro tem ainda uma segunda parte, que fala dos usos e costumes dos tupinambás: como construíam suas moradias, como acendiam o fogo, como dormiam, como se casavam, e, é claro, como comiam os inimigos. Segundo Monteiro Lobato, citado na nova edição, o relato de Hans Staden é obra que devia entrar nas escolas, pois nenhuma dará melhor aos meninos a sensação da terra que foi o Brasil em seus primórdios. Ricamente ilustrada, a nova e caprichada edição torna a história do náufrago europeu quase comido pelos índios em uma aventura verídica para todas as idades - embora o filme, ironicamente, tenha sido desaconselhado para menores de 12 anos.