Sacramento (MG) - Carolina Maria de Jesus foi ao jornal Folha da Manhã, no dia 5 de fevereiro de 1941, em busca de alguém que dissesse o que era aquilo que ela escrevia. Quem a atendeu disse que ela era poetisa.

Ela levou um susto. Ficou pensando que doença era aquela e se tinha cura. No bonde, perguntou a um senhor o que significava poetisa. "É mulher que tem pensamento poético", ouviu.

A história está num dos 37 diários dela guardados no Arquivo Público de sua cidade natal, a mineira Sacramento, com cerca de 26 mil habitantes, na divisa com São Paulo. É o principal acervo de originais da autora, que trabalhou como catadora e se tornou um dos maiores nomes da literatura brasileira no século 20.

Após publicar "Quarto de Despejo", Carolina Maria de Jesus voltou à invisibilidade
Após publicar "Quarto de Despejo", Carolina Maria de Jesus voltou à invisibilidade | Foto: Arquivo Pùblico de São Paulo/ reprodução

Com romances, peças de teatro e diários, o material de Sacramento foi entregue à Companhia das Letras para um projeto que vai publicar a obra de Carolina, incluindo inéditos.

O projeto tem supervisão de quatro pesquisadoras da obra de Carolina, além da filha dela, Vera Eunice, e da escritora Conceição Evaristo.

Mas passadas seis décadas do livro de estreia, o clássico "Quarto de Despejo", de 1960, a maior parte da obra dela segue inédita. Um levantamento da pesquisadora Raffaella Fernandez, uma das envolvidas no projeto, reúne uma lista de sete romances, mais de cem poemas, 67 narrativas e cinco peças teatrais, todos inéditos.

O livro que tornou Carolina conhecida e a levou a conhecer Clarice Lispector e o presidente João Goulart ainda é alvo de debate por mudanças feitas por editores e por tentar limitar a autora a um personagem que não poderia existir fora da favela como escritora.

Publicado em vários países, "Quarto" foi editado pelo jornalista Audálio Dantas, que conheceu Carolina ao fazer uma reportagem na favela do Canindé e a ouvir ameaçando os encrenqueiros do lugar de que seriam postos no livro.

Desde o centenário dela, há seis anos, Carolina ressurgiu em publicações e ganhou uma biografia escrita por Tom Farias. Agora, Vera Eunice de Jesus, a pessoa que melhor a conheceu, está construindo um livro sobre a história da mãe.

Dos originais com paradeiro conhecido, há um caderno no Museu Afro Brasil, dois no Instituto Moreira Salles, o IMS, 14 na Biblioteca Nacional, além do acervo mineiro. Há ainda dois cadernos que pesquisadores indicavam estar na coleção do bibliófilo José Mindlin, mas que não estão no acervo doado à Universidade de São Paulo. Além de outros espalhados em arquivos pessoais.

No acervo de Sacramento, estão lembranças de viagens, edições de seus livros, fotos, recortes de jornais, anotações e cadernos de material inédito, como o romance "Dr. Sílvio".

Parte do material está deteriorada e não há climatização apropriada. Um relatório recomendando adequações, feito pelo IMS, apontou problemas como infestação de cupins, infiltração e goteiras. Pedia ainda um armário de aço, entre outras medidas.

Segundo o secretário municipal de Cultura, Carlos Alberto Cerchi, um admirador de Carolina, que reconhece as limitações, a ideia é que o acervo seja transferido para o Museu Histórico, onde ficará exposto ao público. A previsão é que isso ocorra em setembro.