O velho e o novo
PUBLICAÇÃO
sábado, 15 de abril de 2000
O velho e o novo
Arquivo FolhaWILSON BUENODias desses fui entrevistado por um jornal goiano a propósito - mais uma vez - de Curitiba. Nós, os escribas da city, parece fomos descobertos junto com a cidade, embora a maioria que aí está seja bem anterior ao plano-piloto que, nos laboratórios do Ippuc, engendrou a bela metrópole em que vivemos hoje e da qual sofremos, muita vez, a indisfarçável agrura.
O tema do jornal era o novo e o velho, tanto na arte como na vida, o que fez este vosso croniqueiro pensativo e melancólico a lembrar que nem sempre o novo é mesmo o novo, do mesmo modo que o velho por vezes é velho só na aparência. Diria o diluidor bergsoniano que tocamos a relatividade das coisas.
Sou do tempo, por exemplo, em que no calçadão da travessa Oliveira Belo, imediações da nunca assaz louvada Boca Maldita, na geografia mais central de Curitiba, o que tínhamos ali era uma horrenda pérgola, acho que mandada construir pelo então prefeito Ivo Arzua. Pérgola nua e desengraçada como a quase aldeia em que se constituía àquela época a nossa mui leal vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
Um tão evidente monumento ao kitsch, que foi logo demolido, mesmo porque era sob suas colunas de puro cimento (nem um vaso de begônias ou o projetado plantio de floridas trepadeiras que ali acabou nunca acontecendo...) que o repentista Liberalino Esteves, com forte acento cearense (ou seria paraibano?) agarrava-nos pela manga do paletó e destilava compulsoriamente o seu estro trovadoresco. Não havia como fugir. Liberalino tinha mãos fortes, seguramente bem mais poderosas que seu engenho.
Está aí uma coisa velha velha, para lembrar o pleonasmo oportuníssimo várias vezes referido num conto do tão genial como quase sempre esquecido Nestor Víctor (1869-1932), parnanguara de nascimento, curitibano de formação e carioca por opção e escolha, além de autor, entre outras pérolas, de Os Sapos, um livrinho sublime. Pois que há, não duvidem, coisas novas novas, como, a meu ver, a Ópera de Arame e a Pedreira Paulo Lesminski. Há quem diga que a Ópera de Arame é cousa nova a esconder irremovível velhice. Não concordo e ponho na conta da maledicência vetusta a vetustez de semelhante argumento.
Vejam-se, por exemplo, as carrocinhas dos polacos - umas e outros não existem mais e nem canta a voz embaralhada da velha Ômama, em inesquecível bordão - Ólha a xuxu, o beteraba! Ólha a repólho, ólha as legumes da Bigorilho!!! Embora extintos polacos e carrocinhas, e o Bigorrilho de minha infância seja hoje só o enfarado Champagnat (uma capitalução ao brega...), os terei sempre como coisa nova nova, e mais que nova nova, eterna, a lembrar ainda uma vez a relatividade dos eventos deste mundo.
E o céu? O céu que já com plena cara de céu de outono nos protege e abriga? Será novo, posto que é novo o outono e mais que velho o velho verão? Tenho para mim que o céu é o mesmo - velhice e novidade somos nós que lhe impingimos, obcecados em discernir o que de vanguarda ou retaguarda, nele e sobretudo debaixo dele onde nos movemos os humanos cheios de vício - classificadores de nuvens, de cactos e de gente.
O repórter do jornal goiano gostou tanto de Nestor Víctor que chegou a me pedir dele o telefone - quem sabe, ao vivo, lhe explicaria melhor este imbróglio do novo novo e do velho velho. Mas aí eu lhe informei que Nestor Víctor não era mais - há muito, há velhíssimos novos tempos que sobre ossos e tumba, ai meu Deus, os anos já lhe passaram...