O Triângulo da Tristeza: a escatologia como crítica social
Em cartaz em Londrina, filme é dirigido pelo sueco Ruben Östlund, um dos queridinhos de Cannes
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quinta-feira, 06 de abril de 2023
Em cartaz em Londrina, filme é dirigido pelo sueco Ruben Östlund, um dos queridinhos de Cannes
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
O Festival de Cinema de Cannes, além da pompa e circunstância, tem longa tradição de gerar polêmica com a entrega de sua Palma de Ouro. Às vezes são aplaudidas e comemoradas as decisões de seus júris; outras vezes discutidas mas toleradas; e volta e meia contestadas com veêmencia. Neste último grupo, o vencedor da edição de 2022, “Triangulo da Tristeza” (em exibição no Espaço Vila Rica até quinta, 6), se insere à rigor. É uma múltipla coprodução europeia escrita e dirigida pelo sueco Ruben Östlund,
um dos atuais queridinhos do festival francês, mais ou menos um bad boy à la Lars von Trier e e que já ganhou este mesmo prêmio em 2017 com seu filme anterior (e bem melhor), “The Square”, muito debatido há cinco anos por conta de seu olhar ácido sobre a realidade da arte contemporanea e sua forma perversa de representá-la. E neste recente “Triangulo...” recebeu várias nominações na lista principal do Oscar, mas não levou nenhuma estatueta.
Como em sua filmografia (meia duzia de títulos, a partir de 2004), todas as caracteristicas que definem seu cinema aparecem claramente: o desejo de incomodar o público, um humor negro que força o questionamento do próprio riso e a intenção constante de atacar o que é politicamente correto. Essas marcas permanentes, quase obstinadas, são levadas ao paroxismo em “Triangle of Sadness” (o primeiro filme em inglês de Östlund, de olho em sua ampla internacionalização, com direito a Oscar, Globo de Ouro e Bafta, entre outras recompensas), com a evidente intenção de compor uma alegoria critica ao capitalismo. Mas ocorre que suas “metáforas” são tão planas e grosseiras quanto seu humor, que quase nunca se propõe a ir alem do confortavelmente escatológico – e pensar que em outros tempos nem tão distantes muitos que agora celebram este filme desprezaram as sonoras flatulências dos irmãos Farrely, mestres quando se trata dar eficiente uso cinematográfico a gases e fluidos corporais (vômitos e diarreia).
Dividido em três episódios (Carl & Yaya, O Iate e A Ilha), “Triangulo...” direciona seu olhar implacavel e mordaz (com escalas intermediarias entre pathos e crueldade) sobre a obscenidade do luxo do universo dos ricos e as diferenças sociais cada vez mais
profundas . É comédia ácida e muito negra com alguns momentos que a princípio podem gerar risos e até alguma gargalhada isolada, mas que, no conjunto, causa irritação. E o resíduo que deixa com o passar do tempo é ainda pior. Östlund está constantemente rindo de seus personagens, julgando-os por seus pensamentos e ações, zombando de suas reações e contradições e sendo impiedoso com sua indignidade.
Na primeira parte, um jovem casal de modelos/influenciadores se defronta por dinheiro (e, portanto, poder); são 25 minutos que funcionam à perfeição, quase com a autonomia de um curta metragem. O casal oferece um fascinante olhar às inquietações que afligem homens e mulheres em uma sociedade que imprime regras estritas sobre o lugar que corresponde a cada um.
O segundo ato se passa num cruzeiro de luxo, cujo capitão sempre bêbado é ninguém menos que Woody Harrelson. E, entre citações de Marx, há uma tempestade e o barco é atacado por piratas; o esticado terço final tem a ver com a sobrevivência de alguns passageiros e tripulantes numa ilha supostamente deserta onde a miséria, as mentiras e as manipulações são exacerbadas e o poder atinge níveis já insustentáveis quanto à piramide de classes.
É bem verdade que Östlund filma com estilo depurado (planos preciosos, bem cuidados e por vezes hiperestilizados, tanto que alguns incomodam em sua perfeição) e tem timing para os diálogos e o humor físico. Mas o que importa aqui não são as partes
(quando analisadas de forma independente até que funcionam), mas o todo: a aparência do mundo e como encená-lo. O espírito, o tom, os simbolismos, as alegorias, as metáforas, os golpes baixos. Um cinema misantropo, calculado, astuto e enigmático que
tem muitos seguidores em todo o mundo. Como influenciador inigualável, Luis Buñuel está a se revirar no túmulo.
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