O amor está sempre acabando. Nos bares, nas casas, nas esquinas onde atiramos endereços ao chão, pisando como se fossem sonhos. O amor está sempre acabando, no ônibus que chega, no trem que partiu, na briga premeditada, na luta pela sobrevivência, no parque de diversões, no alvo que acertamos, nos erros que cometemos, nas avaliações de caráter, nas feridas abertas, nas cicatrizes eternas, nas oficinas onde se constroem máquinas, nos hospitais onde se consertam corações.

Imagem ilustrativa da imagem O que era doce acabou
| Foto: Marco Jacobsen



O amor está sempre acabando, no dia do casamento, no divórcio como testemunha, nos recomeços capengas, nos livros antigos, nas cartas não enviadas, nos e-mails não respondidos, na foto em que "saímos bem", no tropeço em que nos demos mal, na promessa do presente, na traição do futuro, nas queixas sem pé nem cabeça, no caso mal resolvido, na alegria vã.

O amor está sempre acabando, quando abraçamos roupas no armário, colocamos fotos na sala, vestidos sobre os tapetes, lingerie nos trincos, perfume atrás das orelhas, batom e rímel escorridos no choro, lavagem da alma e o quarto limpo, sem flores, sem vasos e sem despedidas.

O amor está sempre acabando, quando cai a chuva e quando vem o sol, sob as estrelas, à luz da lua, à beira do abismo, no escuro do cinema, ao redor da cidade iluminada.

O amor está sempre acabando, quando fazemos confidências ou guardamos segredos a sete chaves, quando nos expomos inteiros, quando nos preservamos, quando rimos, quando nos vingamos, quando damos as mãos, quando soltamos o corpo num oceano íntimo, onde existem fluxos e refluxos, marés de incerteza e a mais confiante das viagens.

O amor está sempre acabando, quando tivemos coragem ou quando fomos covardes para esclarecer, para perdoar, para fazer o jogo da verdade, para blefar nas cartas de despedida, para escamotear a grandeza, preferindo a dissolução, sem gritos e sem revolta.

O amor está sempre acabando, quando chamamos a proteção ou vamos de peito aberto, quando usamos escudos ou nos entregamos, quando nos despedimos soltando vagarosamente as mãos, no lugar do gesto que afagou, da carícia suprema, do último olhar quando fechamos a casa porque o amor acabou mas, em algum lugar do planeta, o amor estará sempre começando.

Texto inspirado na crônica "O amor acaba", de Paulo Mendes Campos.