De onde vêm os universais? Eles existiriam previamente constituídos em algum lugar? Sabemos, hoje, que toda manifestação de vida é particular. Assim são também as culturas humanas. Não é possível antever gestos universais que não tenham sido, em sua particularidade, objeto de interesse de outras culturas. A antropologia, em sua inesgotável sapiência, vem demonstrando isso ao longo de muito tempo.

É no intercâmbio permanente com o “outro” que indivíduos e grupos humanos organizam os conhecimentos de que necessitam e criam e recriam sua própria identidade. Nesse sentido, a ideia de uma cultura universal – algo que possa servir a toda a Humanidade – só se realiza na afirmação da identidade de cada cultura. O singular, portanto, é condição indispensável ao universal.

O problema é que a interação entre as culturas é sempre conflituosa. Grupos mais fortes podem se sobrepor a grupos mais fracos, assim como indivíduos mais poderosos tendem a anular indivíduos subalternos. Há risco na interação cultural. É por isso que o universal pode surgir como emblema de violência, com um histórico de subjugação e longas demonstrações de força.

Religiões universais, em momentos diferentes de suas histórias, sufocaram manifestações espirituais mais “fracas” – exemplo indiscutível disso são as epopeias das igrejas cristãs pelos novos mundos, onde populações originárias foram massacradas em nome de Deus... É nesses termos que se deve observar com cautela a existência de universais. A questão a ser levantada é: como foram suas interações com as outras culturas particulares que cruzaram seus caminhos?

Em tempos de guerra e antevisões de uma nova ordem global, vale a pena se deter um pouco sobre a existência de um “Ocidente” como corolário da razão, do progresso e dos valores humanos universais. Enquanto uns se dedicam a valorizar a cultura ocidental, outros, vítimas históricas do colonialismo do mesmo Ocidente, se defendem como podem, afirmando que foram sufocados em suas particularidades e identidades.

O fato é que aqueles que se põem como vítimas do colonialismo estão certos: em algum momento, em relações de forças materiais extremamente desiguais, suas culturas foram consideradas inferiores, desprezíveis, equivocadas – e por isso mesmo exterminadas em nome de um universal superior, puro, correto.

Dessa relação colonial surgem preconceitos que passam a nortear as “novas” culturas nascidas da interação entre “fracos” e “fortes”. O racismo, o machismo e a homofobia são expressões dessa sobredeterminação cultural, dessa pressuposta universalidade de uns poucos sobre muitos. Como reagem os mais fracos? Lutando para preservar e enaltecer suas particularidades, deixando claro que são, como todas as outras culturas, manifestações do espírito humano em toda sua potência.

No diálogo entre culturas nem tudo são flores. É imprescindível afinar o olhar para que ele seja capaz de identificar relações violentas e desproporcionais. Só assim saberemos reconhecer como legítimas as particularidades culturais dos outros.

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

...

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link