Se ao ouvir a palavra “Bahia” a associação musical ainda é restrita aos trios elétricos de axé, é preciso uma atualização urgente. É verdade que, junto com o pagode, o gênero continua sendo o grande cartão-postal comercial, mas um cenário inovador sonoro tem sido construído ou, no mínimo, mais divulgado. Com isso, a mesma Bahia de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Doces Bárbaros passou por uma espécie de reinvenção na música nos últimos anos. Jovens artistas baianos, portanto, estão mostrando diferentes estilos musicais e caminhando pelo cenário alternativo e contemporâneo, do rap ao pop, com forte pegada dançante que traz uma mistura regional e cheia de suingue percussivo.

Na lista, entram nomes que já ganharam o Sudeste do País. Do início da fila com os premiados Baco Exu do Blues e BaianaSystem, a lista grande segue com cantores como Luedji Luna, Giovani Cidreira, JosyAra, Larissa Luz, Xenia França, além das bandas Àttooxxá, Afrocidade, IFÁ, Oquadro que estão mostrando o lado dessa “nova música baiana”, cada qual ao seu estilo. Nova música entre aspas, porque muitos estão na estrada há anos, mas o reconhecimento do circuito comercial fora do Nordeste é recente. O que chama atenção é que todos, sem exceção, fazem um som autêntico, muitos agregando elementos do chamado Bahia Bass (uma mistura de bass music com elementos sonoros da cultura baiana).

Dentre as mais requisitadas para festivais Brasil afora está a cantora Luedji Luna. Nascida no Cabula e criada em Brotas, bairros de Salvador, desde muito cedo a música sempre esteve presente em sua vida, já que seu pai era um dos integrantes do grupo musical “Raciocínio Lento”. Talvez por isso, considere que a música que faz não seja exatamente nova. “A Bahia sempre foi plural, acho que agora a gente encontrou brechas pra dar mais visibilidade ao que tem sido produzido lá”, conta ela, que mudou-se para São Paulo em 2016. Ainda em Salvador, participou do Bando Cumatê, um projeto cultural coletivo que trabalha com pesquisa, difusão e fomentação de manifestações artísticas tradicionais da cultura brasileira, elementos presentes em sua música.

Luedji Luna: álbum “Um Corpo no Mundo” reúne diferentes sonoridades como MPB, samba, ritmos africanos, batuque baiano e jazz, com letras que abordam temas sociais
Luedji Luna: álbum “Um Corpo no Mundo” reúne diferentes sonoridades como MPB, samba, ritmos africanos, batuque baiano e jazz, com letras que abordam temas sociais | Foto: Helen Salomão/ Divulgação

NAS GRAÇAS

Luedji Luna lançou seu primeiro disco, “Um Corpo no Mundo”, em 2017. O álbum reúne diferentes sonoridades como MPB, samba, ritmos africanos, batuque baiano e jazz, com letras que abordam temas sociais, principalmente no que se refere à identidade afrobrasileira. Por isso, ela não restringe seu trabalho a um único gênero e o intitula como “música do mundo”. “Cantei desde criança, mas só assumi a música com 25 anos. Jamais imaginei como seria, de fato, meu primeiro disco. Mas é muito a tradução de mim mesma, da minha história. Eu me inspiro na vida para compor, porém, esse disco traz a identidade cultural de cada músico”, conta ela, sobre os arranjos que resultaram numa sonoridade de difícil definição.

O disco teve produção de Sebastian Notini, músico sueco radicado na Bahia, que também assina a direção musical do espetáculo que a cantora roda pelo país. Kato Change, guitarrista queniano que já tocou com nomes como Aloe Blacc, Salïf Keita e Sean Kuti, é o responsável pelos arranjos de guitarra. François Muleka, filho de imigrantes congoleses, é o violonista. Já o baixo elétrico e acústico fica por conta do cubano radicado em São Paulo Aniel Somellian. As percussões são de Rudson Daniel, de Salvador, e de Sebastian Notini. O trabalho foi contemplado com o Prêmio Afro (2017) e Prêmio Bravo na categoria Revelação (2018). Sua música mais conhecida é “Banho de Folhas”, na qual a religiosidade afro é o cerne da letra embalada por um ritmo dançante.

Clipe Luedji Luna

OQuadro: rap baiano com misturas que vão do ijexá ao afrobeat, do rock ao jazz
OQuadro: rap baiano com misturas que vão do ijexá ao afrobeat, do rock ao jazz | Foto: Divulgação

RAP BAIANO

Outro grupo que tem chamado atenção dessa “nova” música baiana é “OQuadro”, porém, com um perfil inserido na cultura hip hop, mas, também, flertando com outros outros estilos musicais e movimentos culturais. As composições do grupo têm o rap como base que busca inovações sonoras ao se misturar entre o local e o universal, do ijexá ao afrobeat, do rock ao jazz. Banda formada há dez anos na cidade de Ilhéus, traz traz Rodrigo Dalua (guitarra e synth), Victor Santana (bateria), Jahgga (na percussão), Ricô Beis (baixo e efeitos) e Jef, Freeza e Rans (vocais). “De fato, temos feito muita coisa nova, mas não tão nova assim. Há vários artistas repaginando, ressignificando histórias e referências da música de vanguarda da Bahia”, conta Ricô Beis, que tocou com Marcelo Yuka.

A visibilidade atual, para ele, está ligado ao que a mídia do Sudeste aprova ou não. “Existe, hoje, uma concentração de talentos enormes na Bahia, então, não há como barrar essa nova onda. Com essa espécie de carimbo do Sudeste, abriram-se as portas para um som que tem sido feito e vai além do pagode ou axé institucionalizado nas rádios. A Bahia sempre foi vanguarda da música brasileira, vide os inúmeros músicos de décadas; não ia deixar de ser agora com as novas tecnologias.” A democratização ao acesso, inclusive, foi o que delimitou o trabalho do grupo. “A gente não tinha dinheiro, começamos a reproduzir o som com bateria. E, com o passar dos anos, essa falta de recurso acabou delineando nosso som e reinventamos o hip hop na Bahia.”

Clipe OQuadro

https://www.youtube.com/watch?v=5qd-GsirzQQ

A música “Tá Amarrado” esteve na trilha sonora da nova novela “Segundo Sol”, de 2018, ambientada na Bahia. Essa participação trouxe um olhar a mais ao grupo, contudo, de acordo com ele, “há uma proximidade com o cenário alternativo, mais formatador de opinião interessado em arte.” A composição em questão, presente no álbum homônimo d’OQuadro, o primeiro do grupo, lançado em 2012, traz uma letra que é um mosaico poético em homenagem à resistência cultural das religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. O último trabalho do grupo, lançado em 2017, “Nêgo Roque” segue com o ritmo do hip hop orgânico da banda e várias fusões. “Somos sete cabeças de universos distintos, com várias referências literárias, de cinema, de ancestralidade, de religiões afro. Aí, música antiga com a moderna se mistura e se transforma em nosso som”, detalha.

Bandas londrinenses Maracajá e Caburé Canela: influências sonoras de diferentes raízes populares brasileiras
Bandas londrinenses Maracajá e Caburé Canela: influências sonoras de diferentes raízes populares brasileiras | Foto: Divulgação
Imagem ilustrativa da imagem O novo tempero da música baiana
| Foto: Divulgação

LONDRINA NA MISTURA

Se na Bahia a música ferve, localmente o cenário também caminha para produções que merecem destaque. Com cinco anos de estrada, a banda londrinense Caburé Canela lançou seu primeiro trabalho independente e autoral no ano passado, o “Cabra Cega”. Calcado na raiz ancestral, no CD com sete composições, o grupo mostrou uma combinação musical que atravessa vários ritmos, prevalecendo uma mistura sonora que atravessa ritmos populares, como baião, samba, bossa nova, rock, blues, afrobeat, samba de angola e rumba. Além disso, também apostaram nas letras, trazendo o elemento contemporâneo nos temas das canções. Outro grupo de Londrina que passeia por diversas linguagens é a banda Maracajá, formada em 2017, que também tem uma sonoridade baseada nas influências sonoras e estéticas de diferentes raízes populares brasileiras, dentre elas o maracatu, baião, funk e samba, assim como música eletroacústica, como o jazz, o rock, o minimalismo e a música experimental.

Clipe Caburé Canela

https://www.youtube.com/watch?v=C2T2OIlPZd4

Clipe Maracajá

https://www.youtube.com/watch?v=APqQrM7FIGk

Confira outros cantores e grupos baianos:

Xenia França

https://www.youtube.com/watch?v=ZEpV3C1JO60

Larissa Luz

https://www.youtube.com/watch?v=Qk3-0qaYTzk

Àttooxxá

https://www.youtube.com/watch?v=aaEinZSaYhs

Afrocidade

https://www.youtube.com/watch?v=EQOIDtJZysc

Giovani Cidreira

https://www.youtube.com/watch?v=one2yqqsv2s

JosyAra

https://www.youtube.com/watch?v=8YG0woIIoHk

IFÁ

https://www.youtube.com/watch?v=lq3kOWCmqqQ