Na segunda-feira (18), uma notícia abalou o Brasil e movimentou a internet. João Pedro Matos Pinto, um menino negro de 14 anos foi morto em uma operação da Polícia Federal com apoio das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro. Ele foi baleado dentro de casa enquanto brincava com os primos. Os traficantes que fugiam da polícia pularam o muro da casa onde os garotos estavam. Os agentes entraram atirando contra a residência e João Pedro foi alvejado com um tiro na barriga.

Casos onde crianças são mortas "por acaso" em periferias brasileiras não são novidade. A repercussão deste se deu pelo grande número de pessoas, incluindo famosos, que comentaram o caso. "O estado brasileiro mata. Diariamente. Aos montes. Até tudo virar 'apenas' número. Gente não é número. Gente tem nome, tem vida, tem história. Hoje foi o João Pedro. João Pedro não é um número", publicou a atriz Taís Araújo no Twitter.

João Pedro é mais uma vítima acidental de uma lista longa de crianças e adolescentes negros mortos recentemente por disparos de ações policiais. Mas essa lista é bem mais longa e antiga. Rota 66 é um livro escrito pelo jornalista Caco Barcellos, ganhador do prêmio Pulitzer de jornalismo e inclui sete anos de pesquisas sobre os excessos e abusos na atuação das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), a unidade da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nos anos 70 e 80.

O caso rota 66, foi uma perseguição a possíveis assaltantes em fuga. Três meninos, até então, sem nomes, rostos e endereço. Suspeitos de roubarem um Fusca azul em que estavam perseguidos pela Veraneio da polícia. O resultado? A morte dos três garotos por execução a tiros de fuzil. As vítimas eram meninos de classe média alta, filhos de empresários importantes do país e o fusca não era roubado. “Grasnavam como patos, voavam como patos, fomos ver eram perus.”

Tirando o engano com os meninos ricos do Fusca azul. Quase, senão, todos os outros casos encontrados nas pesquisas de Barcellos, eram jovens negros e pobres. O abismo da desigualdade racial no Brasil salta das páginas do livro, e Barcellos foi sensível o suficiente para registrar meticulosamente uma parte da guerra aos pobres e do genocídio de jovens negros. Não há outros termos que definam.

Caro Barcellos foi sensível o suficiente para registrar meticulosamente uma parte da guerra da polícia aos pobres e do genocídio de jovens negros
Caro Barcellos foi sensível o suficiente para registrar meticulosamente uma parte da guerra da polícia aos pobres e do genocídio de jovens negros | Foto: Globo/Divulgação

É um livro grande, dividido em três grandes partes, com dezenas de casos muito parecidos entre si, em um recorte de duas décadas e, mesmo assim, é apenas uma amostra da relação entre polícia, pobres e negros.

Um dos casos mais dolorosos, é o do "cover do Roberto Carlos". Um rapaz muito talentoso, assim como o ídolo, mas não muito parecido, já que era negro. O cantor, durante uma apresentação, oferece a música que está cantando para uma garota que tem namorado. O namorado da moça, enfurecido, sai em direção ao palco e o cover do Roberto Carlos sai correndo, é claro. Mas um negro correndo na favela só pode ser bandido. Com o figurino de Roberto Carlos e o cabelo lotado de gel, o cover do rei morre executado pela ROTA como suspeito de um crime que não cometeu. Ao contrário dos meninos do Fusca azul, esse era um peru, um artista, mas tinha a cor e a origem de um pato. E, nessa analogia, os patos são os que morrem.

O autor não faz nenhuma crítica incisiva. Não é necessário. Os próprios fatos chocam, emocionam e revoltam. Durante a leitura, precisei parar muitas vezes para respirar: é uma leitura pesada, principalmente, porque sabemos que é real, que está embaixo dos nossos narizes e continua acontecendo.

Rota 66 de Caco Barcellos não acabou e está longe de acabar. É um livro em aberto. Uma leitura necessária e urgente

REALIDADE QUE CHOCA

Há quem considere a repercussão de mortes de jovens negros um exagero. Mas a relação de mortes da comunidade preta com racismo está baseada em fatos e números e se arrasta desde o longo período de escravidão de seres humanos no Brasil.

“O racismo brasileiro é estrutural. Nos últimos dez anos ( 2007 – 2017), a taxa de letalidade de negros cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um aumento de 3,3%, conforme dados estatísticos. É essa a realidade do negro em nosso país. Não existe “bala perdida”, para a população negra ela tem destino certo. Não tem nenhum erro não. Há um genocídio em curso no Brasil, cujo alvo é a juventude negra e esse massacre precisa ser contido.” explica Fátima Beraldo professora, membra da Plenária de Mulheres Negras de Londrina e Região e atual gestora da Política de Igualdade Racial em Londrina.

Londrina, 2018 - A Guarda Municipal atinge com tiros o jovem (negro) Matheus Evangelista, de 18 anos, que participava de uma festa na Zona Norte da cidade. A intenção dos agentes era dispersar a ‘multidão’ da rua

Rio de Janeiro, 2019 - Em seis meses foram registradas 881 mortes por ação policial no estado e nenhuma foi em área de milícia. Os dados são de um levantamento feito pelo portal UOL

Rio de Janeiro - 18 de maio o garoto João Pedro, 14 anos, é morto a tiros