O País onde a esperança é uma eterna equilibrista dançando na corda bamba de sombrinha perdeu sua maior voz há 33 anos. O tempo se encarregou de transformar as histórias em torno da trajetória conturbada de Elis Regina em algo tão enigmático quanto o pleno domínio técnico de seu canto sempre carregado de doses exatas de emoção. Até que fatos inusitados, surpreendentes e esclarecedores sobre a vida e a obra daquela que a crítica especializada considera a maior intérprete brasileira de todos os tempos foram garimpados e jogados sob os holofotes pelo jornalista Julio Maria. Autor da biografia "Elis Regina - Nada será como antes" (Editora Master Books), o paulistano lança a obra hoje em Londrina com sessão de autógrafos e bate-papo que acontecem no Teatro Zaqueu de Melo, com entrada gratuita.
Elis Regina morreu precocemente aos 36 anos em 19 de janeiro de 1982, em São Paulo, vítima da mistura explosiva do consumo de cocaína e álcool. Com 424 páginas, o livro sobre a cantora reúne 135 entrevistas de pessoas que conviveram com ela com várias informações até então inéditas, como o laudo oficial da morte e uma carta que a cantora escreveu para João Marcelo Bôscoli. "Primeiro conversei com pessoas fundamentais na história dela, como produtores, compositores, músicos e artistas. Também entrevistei pessoas ligadas ao dia de sua morte, como o taxista que a levou para o hospital e a médica que a atendeu", afirma Julio Maria.
Entre os fatos narrados na obra estão a paixão que Milton Nascimento nutria por Elis e o desentendimento da estrela com outros astros da música. "O Milton fez questão de dar um depoimento no qual afirmou que sentia um sentimento platônico pela Elis, mas que nunca conseguiu falar sobre isso com ela e que tentava traduzir isso em forma de música. Já a sambista Beth Carvalho revelou que Elis havia 'roubado' a música 'Folhas Secas' dela. Beth tinha gravado a canção com arranjo do César Camargo Mariano, que era marido e arranjador de Elis e entregou a música para a esposa sob sigilo. Então Elis acabou adiantando o lançamento do seu disco para sair com a composição na frente da Beth", relata Julio Maria.
Repórter do jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista dedicou-se à biografia durante cinco anos. "O livro aconteceu meio que por acaso. Eu havia recebido uma proposta da editora para escrever os textos de um livro que fotos que seria lançado em homenagem à Elis. A primeira pessoa que procurei foi o Miéle, que me contou tantas histórias sobre ela que me fez perceber que havia lacunas sobre fatos de sua trajetória. Então propus fazer a biografia e a editora aceitou", conta.

Distanciamento técnico
Durante o processo de produção, Julio Maria afirma ter se surpreendido pela força que o nome da intérprete gaúcha ainda tem no meio artístico. "Com exceção do Chico Buarque, que não atendeu aos meus recados de solicitação de entrevista, todas as pessoas procuradas fizeram questão de contar histórias sobre a Elis, incluindo Nana Caymmi, Edu Lobo, Gal Costa, Ivan Lins, entre outros. Bastava tocar no nome de Elis para muitas portas se abrirem. Ela tinha uma relação muito forte com as pessoas, no bom e no mau sentido", enfatiza.
"Elis Regina - Nada será como antes" foi lançado em março de 2015, mês em que Elis Regina completaria 70 anos de vida. "A Elis morreu quando eu tinha nove anos de idade e eu não era fã dela quando resolvi fazer a biografia. Acho que isso me ajudou a manter um distanciamento dos fatos. Tinha na mão uma oportunidade rara de escrever um perfil jornalístico gigante de um personagem muito interessante. Isso é um presente para qualquer repórter. Arregacei as mangas e fui atrás das verdades desta história sob o ponto de vista jornalístico e acho que consegui cumprir meu propósito", afirma.
A vinda de Julio Maria a Londrina faz parte da "Semana Nacional do Livro e da Biblioteca 2015 - Arte & Leitura", promovida pela Secretaria Municipal de Cultura por meio do Sistema de Bibliotecas Públicas do Município de Londrina. O bate-papo com o escritor será mediado pelo jornalista e professor Luciano Paschoal, do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina, e pelo músico e professor Mário Loureiro, do Departamento de Música da UEL.

Familiares aprovaram a obra
A biografia da "Pimentinha" foi a última a ser editada no Brasil pela legislação antiga que previa a exigência de autorização de familiares para a publicação das obras. Em junho deste ano, após muita polêmica, o Supremo Tribunal Federal derrubou a necessidade de aprovação prévia. "A editora do livro procurou os filhos da cantora para se resguardar sobre possível prejuízos caso houvesse uma proibição por parte dos familiares. Mas a reação deles foi a melhor possível. O João Marcello Bôscolli disse que ficou muito emocionado com as histórias do livro. O Pedro Camargo Mariano me agradeceu pela oportunidade que eu havia dado a ele de conhecer sua própria mãe. E a Maria Rita disse que não teria estrutura para ler o livro, mas que não via motivo para proibi-lo", conta Julio Maria.
A reação do público também entusiasmou o jornalista, que revela pretender lançar novas biografias no futuro. "Recebi tantos agradecimentos por contar a história de Elis de pessoas do Brasil inteiro que me sinto motivado a escrever novas biografias futuramente, mas ainda não tenho definido quem seriam os biografados. Ainda estou muito mergulhado no universo da Elis", ressalta. (M.R.)

Serviço:
"Semana Nacional do Livro e da Biblioteca 2015 - Arte & Leitura"
Lançamento do livro "Nada será como antes", com Julio Maria
Quando – Hoje, às 20 horas
Onde – Teatro Zaqueu de Melo, 413
Quanto – Gratuito