O problema da demagogia é seu altíssimo poder de sedução. Andei pensando nisso após receber o resultado das eleições francesas, no último domingo (24). Apesar da vitória de Macron, a extrema-direita se firmou como força política e tende a influenciar novas eleições em todo o mundo. Isso é preocupante e fere de morte a tão delicada vida democrática.

A questão central para os extremos é abolir a ordem social vigente, as regras do jogo e as formas de sociabilidade. Isso vale para a extrema-direita, que vive mentalmente num passado imaginário, e para a extrema-esquerda, que se fixa num futuro igualmente existente só em suas ideologias. De um lado e de outro, negam-se a realidade, os percursos históricos, as lutas verdadeiras, as transformações de fato, os esforços concretos da política e da ascensão dos valores democráticos, onde eles tenham sido possíveis.

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. | Foto: IStock

Trump. Bolsonaro, Le Pen e Putin – para ficar com alguns dos nomes da atual extrema-direita sob holofotes – não têm programas para governar. Sua linguagem é a da destruição: interessa-lhes esmagar tudo que foi erguido até hoje pelas vias democráticas. Mais do que isso: como são abertamente iliberais, desejam derrotar as instituições, torná-las responsáveis por tudo de ruim que há no mundo. Seus discursos radicais resvalam na insanidade, no delírio persecutório, na culpabilização dos outros. Querem um inimigo. E eles têm um: a democracia liberal.

É comum entre as lideranças políticas mencionadas o horror à diferença. Odeiam tudo que cheire à pluralidade. Gostariam de viver de modo sincrônico, com todos seguindo suas ideias e aplaudindo suas aparições. De forma significativamente interessante, abominam a emancipação feminina, os direitos das populações negras, indígenas e LGBTQIA+; não aceitam a independência das escolas e universidades; rechaçam a autonomia dos poderes constitucionais; desafiam os resultados do trabalho científico; instam ao desacordo, à não convivência, à mentira, às alucinações de poder. Numa palavra, são messiânicos – creem-se enviados por alguma divindade para fazer o que tem de ser feito, custe o que custar.

Os tiranetes em questão (e a distopia que representam) já foram chamados de engenheiros do caos, em livro, pelo italiano Giuliano da Empoli. Todo dia assinam um novo escândalo, depõem contra o espírito democrático, protagonizam cenas surreais. Subsidiados por democracias frágeis, mantêm-se no poder ou na crista da onda, sendo ovacionados por

parcelas expressivas da população em seus países e em toda parte. Uma das fragilidades das democracias contemporâneas está em aceitá-los com demasiada paciência.

Vale a pena elencar palpites sobre a ascensão da extrema-direita. De um lado, a democracia não dá as respostas necessárias a quem quer pão, trabalho e justiça. De outro, fica a dúvida: por onde começar a luta por melhores condições de vida fora da democracia? De agora em diante, o debate político irá gerar em torno dessa pergunta. Democratas e populistas estarão em cena.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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