'O Esquema Fenício', uma comédia nonsense em cartaz
Direto do Festival de Cannes , filme em exibição em Londrina, é quebra-cabeças sobre família, fé e negócios
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 04 de junho de 2025
Direto do Festival de Cannes , filme em exibição em Londrina, é quebra-cabeças sobre família, fé e negócios
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA

O filme começa com uma premissa que parece saída de romance europeu: nos anos 1950, Anatole Zsa-Zsa Korda, interpretado por Benício del Toro, enigmático magnata eio milionário, meio místico, sobrevive a um acidente de avião e decide entregar seu império à filha Liesl, interpretada por Mia Threapleton, uma noviça que parece insegura sobre o que está fazendo neste mundo. Ela é acompanhada por seu tutor, Bjorn, um personagem que só Michael Cera poderia interpretar sem parecer uma piada óbvia demais.
O diretor Wes Anderson combina elementos de thriller de espionagem, drama familiar e sátira corporativa. Mas o coquetel nem sempre funciona. Há um toque de “Os Excêntricos Tenenbaums” na disfunção; de “A Crônica Francesa”, na estrutura episódica; e do recente “Cidade dos Asteroides”, na autoconsciência. Mas tudo diluído.
Visualmente, nenhum reparo, aliás como sempre. Anderson continua sendo um mestre do enquadramento, e cada plano poderia estar exposto em uma galeria de arte. Mas essa perfeição formal é justamente o que começa a se voltar contra ele. O que antes era linguagem agora parece estereótipo. A paleta de tons pastéis, os planos de tracking com precisão milimétrica, os movimentos coreografados: tudo ainda está lá, mas o artifício, e não a emoção, começa a ser mais perceptível.
Até os atores parecem presos ao estilo. Del Toro alcança certa gravidade contida como Zsa-Zsa, mas dá a impressão de estar entregando somente falas em vez de interpretar conflitos. Threapleton, a filha noviça, tem presença, mas o roteiro lhe dá pouco espaço para evoluir. E Michael Cera... bem, Michael Cera interpreta Michael Cera preso em “O Grande Hotel Budapeste”, ainda o melhor filme de Anderson.
O roteiro quer abordar ideias como redenção, fé e poder, mas o faz de forma quase decorativa, como se simplesmente o fato de mencioná-las bastasse para fazê-las funcionar. Um dos problemas mais presentes é o tom. “O Esquema Fenício” flerta com a sátira, mas não é mordaz. Critica o poder financeiro, mas sem se sujar. Brinca com a espionagem, mas sem tensão. E constrói personagens torturados... que nunca perdem a paciência.
Sempre verdade em Anderson: os momentos brilhantes – como um jantar de negócios transformado em confissão política – mas também as muitas cenas que parecem um preenchimento elaborado em demasia, resultado de acréscimos e complementos, como se ele fosse uma especie de acumulador, amealhando, colecionando e inserindo ideias a cada novo plano. É como se tivesse varias epifanias para um curta-metragem... mas o estendesse para 110 minutos. E o risco maior aqui foi transformar seu estilo em autoparódia. Ele parece obcecado em polir a superfície, mas esquece o que está por trás do vidro.
"O Esquema Fenício" é um mau filme? Longe disso. É lindamente construído, tecnicamente impecável, tem momentos de ótimo humor cerebral. E conta com um desfile de intérpretes/estrelas em pequenos papeis ou simples cameos (anotem : Riz Ahmed, Tom Hanks, Bryan Cranston, Mathieu Amalric, Richard Ayoade, Jeffrey Wright, Scarlett Johansson, Benedict Cumberbatch, Rupert Friend, Hope Davis, Alex Jennings, Stephen Park, F. Murray Abraham, Charlotte Gainsbourg, Willem Dafoe e Bill Murray). Mas é obra indecisa entre a necessidade de inovar e o medo de sair da zona de conforto em carreira construida ao longo de décadas. É filme que certamente encantará muito mais os fãs dedicados, como eu, por exemplo – porque continua sendo 100% sua marca registrada – mas dificilmente comoverá aqueles que buscam algo além de simetria.

