Pra começo de conversa, Carnaval é coisa séria. Fico doente quando alguém vem me contar feliz da vida que vai desfilar na Mangueira. Porque me vem à cabeça o cara ou a moça pulando e dançando na avenida sem sequer saber a letra do samba, e aí sou eu que sofro na Quarta-feira de Cinzas, dia da apuração, com as notas baixas em harmonia...

É que a Mangueira é um dos meus times de coração - o outro é o Londrina. Ainda que a verde e rosa entre em campo pra valer somente uma vez por ano – no domingo ou na segunda de Carnaval -, a paixão persiste desde os meus 8 anos de idade, quando assisti pela TV da casa de uma tia no Rio de Janeiro ao desfile na Sapucaí. Meus pais e a tia foram ao Sambódromo. Era 1986.

A Mangueira levou o título homenageando Dorival Caymmi (“Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm”) e o que me pegou foi o samba, gostoso de cantar e com refrão fácil: “tem xinxim e acarajé/tamborim, samba no pé” (na época eu achava que era “tem xinxinhacarajé” e nem sabia do que se tratava).

Fato é que desde então a produção cultural das escolas de samba, nascida e criada nos morros, me fascina, mesmo que desvirtuada em parte pelo poder dos contraventores que administram a maioria dessas agremiações.

Imagem ilustrativa da imagem O dia em que 'puxei' o samba da Mangueira
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Bom, dito tudo isso, tenho que contar que vivi uma experiência incrível como torcedor da Mangueira em 1995. Então com 16 para 17 anos, pela primeira vez assisti ao vivo ao desfile da escola no Sambódromo. Nem fomos tão bem assim na classificação final, mas por motivos óbvios foi marcante para mim. Já no final do ano, acho que era novembro, parte da bateria da escola veio a Londrina se apresentar numa festa promovida pelo Londrina Country Club – as famosas batucadas pré-carnavalescas que lotavam o salão do clube. Uma festa parecida com essa que será realizada nesta sexta-feira (21) no Iate Clube.

Já mais para o final da balada, quando o cantor que puxava os sambas da Mangueira fazia as despedidas, cheguei até a beira do palco e perguntei se eles não cantariam o samba daquele ano de 95 – o enredo foi sobre Fernando de Noronha. O cara disse que não sabia se conseguiria se lembrar da letra, mas aceitou o pedido. Só que de fato ele não se lembrava e vendo que eu, à beira do palco, cantava de boa, num gesto impulsivo me chamou para subir. Eu olhei para os meus amigos, incrédulo, e eles falaram: “vai, p...!” O cara me passou o microfone e intimou: assume aí. E eu cantei o samba uma, duas, três vezes, com a bateria rodando o salão. Quando o cantor me deu sinal para terminar, entreguei a ele o microfone e desci do palco sem saber onde estava.

Depois da festa, o agradeci por ter realizado um sonho que eu nem sequer havia sonhado. “Tu é sangue bom, mangueirense sangue bom”, ele respondeu. Voltei pra casa com a certeza de que era aquilo que eu queria fazer da vida. Mas aí veio a realidade, vieram outros sonhos e eu deixei reservado para a Mangueira o compromisso de continuar assistindo ao desfile da escola ano sim, outro também, ainda que pela TV, como vinha sendo desde 1986. Tenho cumprido a promessa. E vou dizer: nada mais angustiante do que esperar aquelas notas dos jurados na apuração da quarta-feira. É pior do que disputa de pênalti.