A paixão pela literatura motivou um grupo de estudantes universitários a escrever sobre o hobby em comum em um jornal impresso produzido por eles em Londrina, nos anos 1990. Três décadas depois, já formados e com dois integrantes morando fora da cidade, os amigos voltaram a se reunir para falar sobre o mesmo tema, só que em um novo formato. Os bate-papos em torno de obras literárias diversas agora são compartilhados com outras pessoas pela internet através do podcast “O Corsário”.

O nome do programa de áudio que estreou há um mês nas plataformas digitais é o mesmo que batizava o jornal impresso produzido na época em que os leitores vorazes cursavam faculdade e estudavam francês na Aliança Francesa, em Londrina. O grupo que comanda o podcast “O Corsário” é formado por Alan Thomas, que atua como professor de literatura e de língua inglesa, em Londrina; Antonio Augusto Cesar, diplomata de carreira e atual embaixador do Brasil na Tanzânia; Gabriel Bertin de Almeida, que reside em Londrina e trabalha como advogado e professor universitário; e Luis Wielewicki, advogado e doutor em Direito pela USP, e que mora.

Luis Wielewicki, Alan Thomas, Gabriel Bertin e Antonio Augusto Martins Cesar formam o grupo que comanda "O Corsário" desde o tempo em que eram estudantes, há três décadas
Luis Wielewicki, Alan Thomas, Gabriel Bertin e Antonio Augusto Martins Cesar formam o grupo que comanda "O Corsário" desde o tempo em que eram estudantes, há três décadas | Foto: Divulgação

“Eu, o Guto (Antonio), o Luis e um outro amigo, o Alexei Preto, estudávamos francês juntos, na mesma sala, e escrevíamos o jornal da Alliance, em francês. Como recompensa, a diretora deixava a gente publicar o nosso, como encarte do jornal da escola", lembra Gabriel Bertin de Almeida, que possui mestrado e doutorado em Filosofia pela USP.

Idealizador do podcast que resgatou a iniciativa proposta pelo amigos no jornal “O Corsário”, Gabriel comenta que a amizade entre os integrantes do grupo vem de longa data. “Somos amigos há muito tempo. Eu e o Guto estudamos juntos no colégio e depois na faculdade de direito. O Luis fez faculdade mais ou menos na mesma época. O Alan foi professor de inglês de alguns de nós. Há 30 anos, no mínimo, temos uma relação próxima, viajamos juntos, temos muitas coisas em comum”.

Alan revela que os amigos têm gostos literários semelhantes e ressalta o prazer proporcionado pelo hábito da leitura. “A literatura é especialmente libertadora, pois permite que o leitor vivencie outras formas de experiência. A literatura pós-colonialista africana, por exemplo, permite a nós, que somos descendentes de europeus, vivenciar algo que que seria impossível de outra forma. Um filme, por exemplo, mostra mais o lado de fora das pessoas, e, portanto, não permite a mesma aproximação da literatura”, argumenta.

“No fundo, todos buscamos nos desenvolver como humanistas. Conhecer novas realidades e discutir ideias. A literatura é um grande meio para esse fim, além de a leitura ser muito prazerosa, algo que traz serenidade e reflexão. Temos interesses diversos em outras manifestações artísticas e leituras que incluem filosofia, biologia, história, dentre outros. Tampouco temos restrições geográficas. Gostamos do que é brasileiro, assim como do que vem de fora”, acrescenta Luis.

As rodadas de conversas dos amigos usadas nos episódios do podcast têm acontecido no formato on-line. “A gente define o livro que será abordado em cada programa com 15 dias de antecedência. Como cada um está morando em cidades diferentes, agendamos uma reunião pelo Zoom e o áudio desses encontros são editados e publicados nas plataformas digitais”, detalha sobre o processo de produção do podcast que tem edição e masterização assinada pelo Fábrika Estúdio, de Londrina, responsável também pela identidade sonora do programa.

Produzido com o objetivo de despertar nos ouvintes o interesse de ler a obra que está sendo debatida, o podcast ampliado a visão dos próprios apresentadores em torno dos livros abordados nos episódios. “O debate é uma forma que nos possibilita expor e enxergar perspectivas que não vislumbraríamos individualmente. De um agradável reencontro entre amigos de longa data, a propagação dessa discussão (e de grandes obras) via podcast dá sentido ainda maior a uma atividade intelectual independente, espontânea e leve”, ressalta Luis.

A releitura de alguns livros para os debates também tem gerado experiências positivas para o grupo, conforma aponta Gabriel. “O Italo Calvino, em seu livro Por que ler os clássicos, diz que “clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido”. Mas é ainda melhor quando se lê “nas melhores condições para apreciá-los”, diz ele. Quando você lê um livro muito jovem, pode não aproveitar tudo que ele tem de bom. Aí entra o papel da releitura”, salienta.

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. | Foto: iStock

Dois episódios do podcast “O Corsário” já foram disponibilizados, um sobre o livro "Torto Arado", escrito por Itamar Vieira Junior, e sobre "Lavoura Arcaica", de autoria de Raduan Nassar. O terceiro vai ao neste sábado (25) trazendo um debate centrado no livro "Campo Geral", de Guimarães Rosa. “Nesse primeira leva, estamos conversando sobre literatura brasileira. Misturando escritores iniciantes com os já consagrados. Itamar, Raduan, Guimarães Rosa, Tezza. Depois vamos para a África. Como eu moro lá faz tempo e os outros também gostam muito, sempre vão me visitar, todos acabamos conhecendo a literatura africana (a escrita por africanos ou, ainda, por estrangeiros, mas tendo a África como tema), que é muito boa e conhecida no mundo todo. Depois devemos falar da literatura em tempos de guerra. E por aí vai”, diz Antonio.

Os feedbacks positivos dos ouvintes têm servido de estímulo para os apresentadores do podcast. “A receptividade tem sido muito boa. Nos tempos atuais, às vezes parece que ler está muito fora de moda. A quantidade de livrarias tem diminuído. São poucos os exemplos de personalidades políticas com hábito de leitura. Nesse contexto, ler, por si só, é um ato quase revolucionário. Com o podcast, tenho percebido que nem tudo está perdido. Ainda existe gente lendo”, destaca Gabriel.

Serviço:

O podcast "O Corsário" pode ser ouvido nas seguintes plataformas: Spotify, Google Podcasts, Breaker, Pocket Casts e RadioPublic. Acesso pelo seguinte link