“Não vemos as coisas como elas são: vemos as coisas como nós somos”. Essa frase da escritora francesa Anaïs Nin é uma ótima síntese do trabalho da cineasta, fotógrafa, poetisa, coreógrafa, escritora, dançarina e teórica Maya Deren (1917-1961), a mais importante realizadora do Cinema Experimental nos EUA nos anos 1940 e 1950, que influenciou realizadores como Stan Brakhage, David Lynch e Chantal Akerman.

Maya Deren em "Meshes of Afternoon" : linguagem poética de alta voltagem no cinema
Maya Deren em "Meshes of Afternoon" : linguagem poética de alta voltagem no cinema | Foto: Reprodução

Nascida na Ucrânia, é nos EUA que Eleonora Derenkowska se tornará Maya Deren. Ela inicia a sua produção artística no final dos anos 1930, frequentando o ambiente criativo do Greenwich Village. Em 1940, se muda para Los Angeles, onde se aproxima da coreógrafa e antropóloga afro-americana Katherine Dunham. Essa relação irá influenciar de forma decisiva os trabalhos de Deren, que nos anos 1950 aprofunda os seus estudos de antropologia ao documentar a cultura haitiana por meio da mitologia vodu.

Em Hollywood, Maya conhece o realizador tcheco Alexander Hammid - juntos eles farão em 1943 aquele que é um dos mais icônicos filmes experimentais de todos os tempos: "Meshes of the Afternoon", no qual Maya interpreta uma mulher que regressa para a sua casa e mergulha em uma realidade angustiante.

Já nesse primeiro filme, Deren expressa a base do que será o seu cinema: uma linguagem poética que investiga o universo inconsciente das suas personagens a partir de símbolos, olhares e gestos de natureza misteriosa. Ela se utiliza de enquadramentos tortuosos, câmera na mão, efeitos de slow motion e foco em objetos de cunho psicanalítico para inserir o espectador em uma atmosfera onírica, na qual o tempo praticamente não existe.

Maya dá continuidade a esses experimentos no curta inacabado "Witch’s Cradle", de 1944, filme marcado pela presença de Marcel Duchamp. Os ângulos inventivos, a atenção a texturas não usuais, a forma criativa de filmar objetos que se revestem de outros significados: tudo antecipa o que Maya fará em outra obra-prima: o curta “At Land”. Rodado em Nova York, este segundo filme mostra Maya em uma festa na qual ela se sente deslocada. Diante de um jogo de xadrez, ela tenta segurar um peão, que acaba a levando para uma praia deserta, onde o universo espacial não segue uma lógica realista.

Maya cria um poema extremamente expressivo, no qual faz o que ela chama de “uso criativo da realidade” para mostrar que a sua persona está sempre em condição de outsider, em um estado permanente de inadequação.

Em filmes como “A Study in Choreography for Camera” (1945), “Meditation on Violence” (1949), "Ensemble for Sonambulists” (1951) e “The Very Eye of Night” (1958), Maya registra coreografias que utilizam o corpo como forma de traduzir uma realidade interior, além de se utilizar de procedimentos de montagem que embaralham tempo e espaço. Em “The Private Life of a Cat”, ela recria o universo felino a partir de um ponto de vista deliciosamente não humano.

Em “Ritual in Transfigured Time” (1946), obra na qual Anaïs Nin atua, Maya alterna efeitos de câmera lenta com a fixação de fotogramas estáticos, mistura que imprime ao filme um ritmo autorreflexivo, antecipando questões que Godard, por exemplo, só iria apresentar nos anos 1970. Maya também publicou livros e artigos teóricos, nos quais pensa o seu processo criativo de forma muito analítica. Sua morte prematura, aos 44 anos, deixou uma série de projetos inacabados, mas também uma obra muito instigante, marcada por uma contínua reinvenção de si mesma. Raramente, na história do cinema, uma realizadora incorporou tantos papéis diversos na criação de um universo tão particular. Sua obra, como um todo, é uma espécie de poema: fragmentado, silencioso, e também fantasmagórico - mas é justamente nessa relação entre espectros que reside a natureza do cinema para Maya Deren.

Serviço:

Palestra: "O Cinema Onírico de Maya Deren", por Rodrigo Grota

Onde: "Café Com Quê?" (Sesc Cadeião Cultural)

Quando: Quinta-feira (7), às 19 h

O evento gratuito pode ser assistido na plataforma Teams no seguinte link

Imagem ilustrativa da imagem O cinema onírico de Maya Deren