Lúcio Ribeiro
Agência Folha
‘‘A Bruxa de Blair’’ decretou o fim do cinema como o conhecíamos. Documentário que todo mundo foi ver sabendo que não era um documentário. Apavorante filme de terror em que não há sustos, monstros, fantasmas. Nem mesmo a bruxa prometida. ‘‘Blair’’ promoveu, em detrimento do milionário cinema dos efeitos especiais, o resgate da fórmula de terror de ‘‘O Iluminado’’, de Hitchcock, de ‘‘O Exorcista’’, que explorava o medo do desconhecido, do que não se vê ou do que se acha que vê. Produção das mais adoradas e, na mesma medida, das mais odiadas. Bruxaria foi como esse filmeco independente transformou rapidamente míseros US$ 35 mil de custo de produção em quase US$ 150 milhões em bilheterias só nos EUA, com dois diretores e uma trinca de atores totalmente desconhecidos. Talvez o maior e mais eficaz boca a boca da história, se tornou fenômeno de marketing sem inicialmente gastar um tostão em... marketing. Em poucas semanas, o filme foi de uma sala em Nova York para 27 salas nos EUA todo, depois, para 800 salas e, por fim, para 2.538 salas, expulsando dos cinemas os blockbusters de verão, tipo ‘‘As
Loucas Aventuras de James West’’, ‘‘Star Wars’’ e ‘‘Noiva em Fuga’’. Foi o mais bem resolvido uso de hiperrealidade: atores usaram seus nomes verdadeiros na trama e foram jogados em uma floresta sem saber ao certo quais cenas iriam filmar. À noite, eram visitados pelos diretores, que interferiam no cenário sem avisar os protagonistas. As imagens vistas no filme saíram exclusivamente das câmeras usadas pelos atores no ‘‘documentário’’ que foram fazer na floresta. Quando o filme foi lançado, no Sundance, em janeiro de 99, os atores não compareceram às entrevistas de divulgação, sob a desculpa de terem ‘‘desaparecido’’ na floresta durante as filmagens.
Filme digital barato e caseiro, é o mais frutífero exemplo da união entre cinema e Internet. Antes mesmos dos créditos iniciais, na tela, a história ‘‘verdadeira’’ de ‘‘Blair’’ já havia começado na rede de computadores, na qual circulavam cenas do filme. Antes de uma ‘‘segunda estréia’’, no começo de agosto, quando o fenômeno foi assimilado pela indústria, o site do filme já contabilizava mais de 21 milhões de consultas.
- ‘‘Matrix’’ foi até onde os filmes de ficção científica podem mesmo chegar. A produção marcou ainda a ressurreição da carreira de Keanu Reeves, um hacker de computador que é chamado para salvar o mundo das mãos de um supercomputador. Tal qual um ‘‘Blade Runner’’ às portas do novo século, discute o sentido da vida na linguagem cyberpunk, botando no mesmo disquete o supra-sumo da cultura pop e um atual resgate do apelo religioso nesta época materialista.
- ‘‘Central do Brasil’’ deu sentido cinematográfico à frase futebolística ‘‘a pátria de chuteiras’’, quando o filme fez o país criar uma corrente para a frente para que o mais bem sucedido exemplar do cinema nacional ganhasse o Oscar de melhor filme estrangeiro. Perdemos para a Itália. ‘‘A Vida É Bela’’, do ‘‘técnico’’ Roberto Benigni, bateu o Brasil de Walter Salles.
- ‘‘De Olhos Bem Fechados’’ serviu de testamento cinematográfico para Stanley Kubrick, genioso/genial diretor, morto em março último, pouco depois de finalizar a obra. Um dos mais aguardados, o controverso filme, que levou 15 meses para ser feito, trouxe na trama Tom Cruise, Nicole Kidman, sexo, traição, paixão, vida e morte, sonho e realidade, tudo servido à moda Kubrick, o que é certeza de receita das mais saborosas.
- ‘‘Star Wars’’ em sua prequela número um, chamada de ‘‘A Ameaça Fantasma’’, foi sucesso de bilheteria, sim, mas deixou um gosto de frustração até para a legião mundial de fãs que o filme formou depois que George Lucas mudou a história do cinema com os três primeiros episódios da série. O tempo não perdoou a prequela.
- ‘‘Sexto Sentido’’ foi outro belo exemplo do resgate do ‘‘thriller’’ psicológico e outro significativo exemplo de filme indie que vira campeão de bilheterias. A produção revelou Haley Joel Osment, que faz o menininho infeliz por receber visitas de pessoas mortas. Com um dos finais mais comentados dos últimos anos, o filme serviu para levantar a carreira de Bruce Willis, que andava meio morto para o cinema.
- ‘‘Clube da Luta’’ provocou as mais diversas reações em todos que o viram, menos a da indiferença. No filme, Edward Norton e Brad Pitt fazem apologia à violência como escape da rotina. Distribuem murros um no outro em nome da diversão, do desabafo, para dar mais sentido a suas vidas frustradas e sem graça. No Brasil, o perturbador ‘‘Clube da Luta’’ ficou ainda mais polêmico depois que uma sessão do filme foi sede do conhecido massacre do cinema, quando um estudante de medicina fuzilou a platéia em um shopping paulistano.
- ‘‘Vamos Nessa’’ e ‘‘Corra Lola Corra’’ foram disparadas as duas melhores produções teens, de visual moderno, estruturas narrativas fora do padrão e que aproximaram o cinema da música eletrônica. ‘‘Vamos Nessa’’ bebe em Quentin Tarantino e tem sua graça, entre muitas coisas, na fragmentação de tempo e espaço na condução do roteiro. ‘‘Corra Lola Corra’’ é jóia rara do novo cinema alemão e brinca com o destino ao mostrar três versões da mesma história, que, com pequenas modificações, produzem finais completamente
díspares.
- ‘‘Stigmata’’, ‘‘Fim dos Dias’’, ‘‘Dogma’’ e ‘‘The Omega Code’’ estabeleceram a versão cinema para o crescente filão já batizado de ‘‘entretenimento cristão’’. A proximidade do ano 2000 fez com que Hollywood explorasse o declínio das religiões tradicionais e botasse nas telas desde o fenômeno das chagas de Cristo até o mais completo final dos tempos, patrocinado pela vinda do Diabo a Nova York. ‘‘Fim dos Dias’’ e ‘‘Stigmata’’ estão em cartaz. ‘‘Dogma’’ estréia dia 14 e ‘‘The Omega Code’’, sem previsão.
- Tudo Sobre Minha Mãe’’, do exagerado diretor espanhol Pedro Almodóvar, é o favorito disparado ao Oscar 2000 de melhor filme estrangeiro. Pai travesti que engravida uma freira, filho atropelado e atriz lésbica compõem a trama.‘‘A Bruxa de Blair’’ inaugurou em 99 uma nova forma de fazer cinema e o ‘‘Sexto Sentido’’ resgatou o terror eficiente nas telas
ReproduçãoSem monstros ou fantasmas, ‘‘A Bruxa de Blair’’ cativou a platéia pelo medo do desconhecido