O amor no Transtorno do Espectro Autista
Há muito a descartar na Netflix, mas há também o que conhecer, amar e divulgar, como o adorável reality show que ajuda a dissipar o estigma em torno do autismo
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
Há muito a descartar na Netflix, mas há também o que conhecer, amar e divulgar, como o adorável reality show que ajuda a dissipar o estigma em torno do autismo
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
A investida – agora bem menos afoita após a reabertura das salas – em busca de novidades no streaming era para conhecer a decantada série “Round 6”. Ok, conheci. Mas o ajuste de contas com a violência capitalista do seriado sul-coreano (“Os parasitas dos parasitas”, título mais a rigor) fica para depois. Um feliz palpite de outro retardatário que também descobriu há pouco me fez encontrar, ano e meio depois da estreia (22/7/2020), uma delícia documental australiana, nada convencional, chamada “Love on the Spectrum”.
Confesso e lamento minha perda de tempo com coisas olvidáveis. E autopenitência não é vergonha; por isso transformo meu mea culpa em rasgadas louvações a essa turma que produziu as duas temporadas (ao todo 11 episódios) de “Amor no Espectro”. Uma lufada (lufada ? um vendaval de ar fresco e puro, isto sim !). Ao pessoal que assistiu em 2020, parabéns pela escolha e reiteradas desculpas pelo atraso da análise e julgamento desta celebração da diversidade do amor completo. Vocês sabem do que estou falando. Não é um reality show qualquer, naufragado em superficialidade.
É equívoco comum que aqueles que vivem no espectro do autismo não desejam relacionamentos e amor. Longe de ser verdade, é este engano que torna difícil para pessoas autistas se aventurarem no mundo das relações afetivas. Há algum tempo Netflix vem curtindo com frequência o romance, mas produzir um que concentre as desabilidades é muito bem-vindo – e eles continuam a diversificar sua plataforma em gêneros e temas diversos. Apesar de certa soberba...
Esta série que vem da Austrália conta as histórias de várias pessoas neurotípicas em busca de amor. Se já não é fácil para qualquer neurotípico encontrar um parceiro estável, você pode imaginar a complexidade da questão quando se está fora do espectro autista e como é difícil entender o funcionamento do mundo e dos relacionamentos.
O seriado entrelaça as histórias de protagonistas como Michael Theo (sem dúvida o favorito total e absoluto dos espectadores, sem desmerecer os demais) ou Mark Redburn ou Chloe Hatch ou Kelvin Wong, e mostra os caminhos de cada um, com seus sucessos e tropeços. Assim como é a própria vida.
Entrar na existência desses personagens e entender como suas mentes funcionam: esta a ideia para quebrar barreiras e desestigmatizar o autismo. Não há condescendência ou tristeza na história. Ao contrário: respeito, empatia e muito amor. E também bom humor espontâneo, variando de acordo com o carisma (e a comunicabilidade) de cada um. Escavada a memória, não me lembro de nada tão profundo em termos de namoro do que esta série. Dirigida e produzida por Cian O'Clery, ela segue as primeiras experiências de homens e mulheres solteiros portadores de alguma forma de autismo, bem como as relações de outros participantes. A psicóloga Elizabeth Laugeson e a coach de relacionamentos Jodi Rogers ajudam os protagonistas a resolver suas pendências amorosas.
“Love on the Spectrum” é comovente e sutil em seu design. O coração do espectador vai acelerar quando souber o quanto esses adultos desejam uma companhia de longo prazo. E é essa pureza que o “time do namoro” da série transmite quando perguntam a eles o que procuram em um parceiro. Como os olhos brilham quando conseguem um encontro; quando, depois de algumas frustrações, eles conseguem se conectar com outra pessoa. O discurso é transcendente, e pode ser resumido assim: qualquer pessoa deve ter a oportunidade de amar, independentemente da origem e das circunstâncias. “O Amor no Espectro”, repleto de empatia, jamais cai na condescendência quando fala de relações humanas e sociais, e aborda o tema sempre com clareza absoluta e de maneira universal.