“Não me cubram / quero andar sozinha pelos vales ou por ruas de metrópoles / não quero ser violada por minha saia estar acima do joelho / pois mesmo se estivesse abaixo / ele não me respeitaria / pois ele é pior que o cão.” Esses versos marcam o livro de estreia da londrinense Christine Vianna, “Procuro um Verso na Minha Escuridão”, que acaba de ser lançado pela editora Atrito Arte.

Após anos atuando em projetos dedicados ao incentivo da leitura, Chris Vianna se sentiu impelida a publicar pela primeira vez seus escritos. Poemas que, em suas palavras, procuram revelar o amor e suas múltiplas faces: “o amor vivido, o amor observado nas relações de outros, o amor próprio, o amor social, o amor amigo, o amor irmão, o amor traído...”

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No texto de contracapa do livro, o dramaturgo Mário Bortolotto apresenta os versos de Vianna da seguinte maneira: “A poesia da Chris não cabe na cidade, e então ela se expande rompendo fronteiras que vão muito além do que ousamos imaginar a respeito dos sentimentos que dilaceram uma mulher genuinamente sincera, escrevendo com o coração batendo descompassado.” E vai além: “Chris está apta a se candidatar ao posto de ‘Maysa’ da poesia brasileira, escancarando sentimentos sem qualquer pudor como só conseguem as mulheres que estão dispostas a oferecer o coração como residência fixa e com direito a usucapião. O que evidentemente arrasta consigo perigo e comoção.”

Diretora do Londrix - Festival Literário de Londrina - e fundadora da editora londrinense Atrito Arte, Christine Vianna fala a seguir sobre seu livro de estreia.

Você possui uma longa trajetória vinculada à literatura e somente agora está publicando seu primeiro livro, “Procuro um Verso na Minha Escuridão”. Como foi o processo de chegar até ao livro?

Minha vida sempre esteve ligada à literatura. Minha avó Joana foi uma contadora de histórias maravilhosa, tenho lembranças desses momentos singulares, foi ela que me iniciou no mundo da literatura. Depois, na escola, tive uma professora que foi a pedra fundamental, a Zita Kiel, ela trouxe voz à minha voz. Eu era muito tímida, não achava pares na escola, então os encontrei na biblioteca e lá pude me relacionar com muitos homens e mulheres, pois a literatura é um relacionamento. Depois fui para o teatro e produção cultural e construí uma trajetória voltada ao incentivo à leitura e todas as suas ramificações através do Festival Londrix. Como editora publiquei dezenas de autores, mas nunca pensei em publicar meus escritos. Em meus shows arriscava algumas canções autorais, sempre com pseudônimo. Dois amigos me tiraram desse lugar confortável e assumi a escritora. Ainda com muita resistência, desenterrei alguns poemas, os demais de “Procuro um Verso na Minha Escuridão” foram produzidos entre 2020 e 2022.

Você possui dois CDs de poesia oral que unem literatura e música. Os versos de “Procuro um Verso na Minha Escuridão” trazem uma forte influência dessa oralidade. Qual sua relação com a poesia falada?

A minha paixão é a literatura oral, a literatura falada. Por isso criei a banda Benditos Energúmenos, e lá fomos nós, eu, e os músicos Duda Victor e Rodrigo Amadeo, rompendo as barreiras das escolas, pois a intenção da banda era levar a poesia aos alunos de ensino médio. Foram muitos shows, depois, abrindo caminhos, ganhamos os palcos de Londrina e outras cidades. Gravamos o primeiro CD, a banda teve outras formações e em 2020, em plena pandemia, gravei com músicos locais meu segundo álbum, “Nem os Lobos me Alcançam”. Nesse momento, meu trabalho ganhou imagens em vídeos pelas mãos do talentoso Carlos Fofaun. A literatura falada, cantada, aproxima as pessoas, conquista. Tenho esse lado quixotesco, quero levar a literatura para um maior número de pessoas.

O amor visceral sob a perspectiva da condição feminina parece ser tema recorrente nos poemas do livro. Que amor é esse?

É um amor sob minha ótica, pois mesmo que esse amor tenha sido vivido pela mulher Chris, ou o amor que observei em outros ou que imaginei, é sempre a nossa leitura, seja de amor, de vida, de mundo, não é? Sentimentos que se articulam entre a emoção e o intelecto, uma associação entre o fluxo e a permanência cruzando esse turbulento cenário que é a vida. As editoras publicam, em sua maioria, homens. Eu mesma, dos 168 livros que publiquei na Atrito Arte, posso contar nos dedos as mulheres. E não é porque as mulheres não escrevem, mas porque o mercado é masculino. Aos poucos percebemos que não precisamos ter nascido homem para que nossas palavras sejam ouvidas, lidas, cantadas. E se nesse livro eu canto os amores, é porque em mim repousa esse olhar inquietante sobre o amor. O que posso dizer é que a “escritura” de minha poesia flui de forma tranquila, já sua publicação é incômoda. Não é uma poesia difícil ou obscura. Não é um manifesto, não é um remédio ou uma droga lisérgica. Por vezes, investigo o que escrevi, por vezes é a poesia que me investiga. São versos encontrados e transcritos na minha escuridão, é minha experimentação mental e emocional sobre o amor, seja ele qual for.

Há muitos anos você organiza em Londrina vários projetos de incentivo à leitura. Como você vê o ato da leitura na vida das pessoas?

Sim, são vários projetos procurando trazer um número maior de pessoas para o universo da literatura: Londrix, Dedo de Prosa, Benditos Energúmenos, Assalto Literário, Encantamentos Poéticos, Sarauzinho e Atrito Arte entre outros. São ideias que sobrevivem num país de poucos leitores, mas, contribuem para a mudança nesse cenário. Ancorada em Pedro Juan Gutiérrez, afirmo em total consonância com o pensamento que a literatura nos mostra a face da realidade que não enxergamos ou que não queremos enxergar. Para mim a literatura nos torna críticos, aguça o pensamento. Claro, que outras artes são irmãs dessa batalha inglória contra a falta de conhecimento. Inglória e prazerosa, prazer às vezes masoquista, pois pensar dói, como diz Jack Kerouac, “os pinos redondos nos buracos quadrados”, não encaixa, e não se ajusta mesmo, pois nosso mundo é um caos, mas é o único que temos para passar essa curta trajetória de vida. E podemos fazer diferente, tornar nosso lugar melhor, a começar por nós. Kerouac também diz que as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo são as que mudam o mundo. Eu tenho essa pretensão, só não sei se sou louca o suficiente, espero que sim.

Imagem ilustrativa da imagem O amor e suas sombras no livro de uma poeta londrinense
| Foto: Divulgação

SERVIÇO

“Procuro um Verso na Minha Escuridão”

Autora – Chris Vianna

Editora – Atrito Arte

Prefácio – Augusto Silva Leber

Páginas – 120

Quanto – R$ 30

Onde encontrar – Pedidos pelo e-mail [email protected] ou pelo whatsapp (43)99941-7414