Diferentes elementos integram a identidade de uma cidade. As belezas naturais, o clima, as influências da arquitetura e do desenvolvimento da economia são alguns. A infraestrutura de lazer, a diversidade de serviços e oportunidades são atrativos dos centros urbanos, os quais se caracterizam também por sua produção cultural, organização social e ao valor dado à sua história e ao seu povo.

Mais do que um aglomerado de edificações residenciais ou comerciais, uma cidade é marcada pelo seu dinamismo, o ir e vir e as relações humanas com todos esses espaços. A gastronomia, por sua vez, tem seu papel relevante na movimentação das pessoas. De A a Z, o londrinense tem na ponta da língua a resposta quando o assunto é comer e beber bem.

Do cafezinho à vitamina, nome e endereço são referências. Asiática, portuguesa e até tailandesa fizeram o nome em Londrina, assim como o açougue com fila de dobrar a via aos domingos - por conta dos assados de tempero diferenciado. Galinhada, pastel, churrasco, esfirra e sopa. Cada um no seu quadrado, estabelecimentos fidelizaram seus clientes pelo que fazem de melhor.

A arquiteta Camila Forbeck com o sócio-proprietário do Jóia, Matheus Niero: projeto do novo restaurante remete a memórias da cidade
A arquiteta Camila Forbeck com o sócio-proprietário do Jóia, Matheus Niero: projeto do novo restaurante remete a memórias da cidade | Foto: João Guilherme França - Grupo Folha

MEMÓRIA AFETIVA REATIVADA

Durante a pandemia, quando as portas do restaurante Rodeio se fecharam, um sentimento de carência acometeu londrinenses e turistas - que iam especialmente ao restaurante para apreciar o filé mignon à parmegiana. O prato, o jeito de servir e o ambiente compuseram o programa de diferentes gerações.

A novidade é que o espaço, batizado de Jóia Cozinha & Boemia (o acento na palavra joia é proposital), será reaberto em breve e, juntamente com a nostalgia, a reativação do ponto comercial vem ao encontro de um movimento bastante significativo para a cidade, que é a revitalização do Centro Histórico de Londrina, onde está o Cine Teatro Ouro Verde, a Biblioteca Central, o Colégio Mãe de Deus, o Teatro Zaqueu de Melo, o Bosque Central, a Concha Acústica, o Edifício América, o Condomínio Centro Comercial e até o Relojão, que se vê de longe.

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Quem nos apresenta o local é o sócio-proprietário Matheus Niero ao lado da arquiteta urbanista Camila Forbeck. Com experiência no ramo, Niero é também proprietário do Flannigan´s Irish Pub e revela que a decisão de reativar o ponto foi a soma de diversas reflexões. "Frequentei o Rodeio desde criança com meus pais. Em outra fase, vinha com meus sócios porque o escritório era próximo".

Num certo dia, em uma conversa com seu amigo e sócio sobre o ponto estar fechado, a ideia foi ganhando corpo e o empresário ampliou suas perspectivas sobre o local na esquina da Alameda Miguel Blasi com a Rua Professor João Cândido. O encantamento se somou à visão de negócio. "Andava por perto, vinha à noite, via as pessoas na rua e então demos um passo importante que foi ir atrás do proprietário do imóvel", lembra.

Sem fazer rodeios, Niero adianta: "Vai ter filé a parmegiana, sim".

A cadeira de palhinha remete a memórias afetivas
A cadeira de palhinha remete a memórias afetivas | Foto: Walkiria Vieira/ Grupo Folha

Os planos de funcionamento da casa são amplos e contemplam cafezinho no balcão, almoço, happy hour e jantar. "A proposta é que o Jóia seja um ponto turístico de Londrina e que se integre com o centro da cidade e as pessoas. Gostamos muito da área central, da circulação e esperamos que as pessoas se sintam tão bem a ponto de chamar o Jóia de ' meu restaurante', 'meu bar' e que também venham no fim de semana para um chope", alegra-se.

Em relação às expectativas do público e eventuais comparações, Niero compreende com maturidade e renova o respeito e admiração pelos antigos proprietários e como conquistaram a clientela por décadas. "Pode haver comparação, mas considero superbacana porque é uma memória afetiva das pessoas. Vamos fazer tudo da melhor maneira possível para que as pessoas olhem e falem que nosso parmegiana é tão como era o do Rodeio".

UMA JOIA LAPIDADA

Um imóvel da década de 50, fechado por quatro anos e que precisava de uma reforma não só para ficar apresentável e ser aberto, mas sobretudo estar em conformidade com normas de segurança e circulação. Quem assumiu a responsabilidade do projeto foi a arquiteta urbanista Camila Forbeck, que possui um portfólio respeitado quando o assunto é ressignificação de espaços.

Com oito meses de obra e um investimento alto, a reforma reflete o desejo de reabrir um espaço com tanto significado. "O que vemos hoje é resultado de muito trabalho porque acredito e confio muito na ressignificação de espaços, sendo essa uma característica muito forte de meu trabalho". Valorizar a história com um olhar contemporâneo para que usuários vivam a experiência do hoje é a expectativa de Forbeck. "Realmente é um desafio trabalhar com imóveis antigos porque é preciso pensar na renovação elétrica, hidráulica e fazer as readequação de todas as normativas. ", explica.

As janelas antes pintadas de branco ganharam a transparência original dos vidros. Essa foi uma das decisões da arquiteta. A "simples" mudança permitiu que a luz entrasse no ambiente, transformando-o por completo. O pé direito foi redescoberto e, do teto ao chão, uma joia foi sendo lapidada dia após dia da obra. "Se fosse só por negócio e a experiência que já possuem no ramo, poderiam se instalar em um local novo e pronto. Mas junto com todas as ideias, eles acreditam no centro, seu potencial e nas pessoas.

Arandelas com filetes de cristal: requinte nos detalhes
Arandelas com filetes de cristal: requinte nos detalhes | Foto: Walkiria Vieira/ Grupo Folha

A delicadeza das arandelas faz contraste com as colunas do restaurante. Elas foram descascadas e assim ficarão: robustas, rugosas e com aspereza, representam a força que possuem para manter de pé toda a edificação.

Ao caminhar pelo restaurante, o cliente irá se encantar também com o piso. " Trata-se de ladrilho hidráulico, um piso artesanalmente composto para o Jóia por uma empresa londrinense e como outras escolhas que fizemos, ele tem um valor para além do bonito, do estético, pois esse piso resgata também a questão da produção artesanal e foi feito com exclusividade", conta .

O esmero está presente nas cadeiras de madeira com encosto de palhinha e acentos almofadados. Isso se estende a todo o mobiliário. A madeira, o couro e o balcão de quartzolito - verde Guatemala - integram-se a toda a proposta de um prédio com tanta história e significado. Escolhas que prezam pela qualidade, durabilidade e conforto mobiliário e visual.

A iluminação acolhedora e o tratamento acústico também foram planejados e acolhem. Acomodar-se nas cadeiras não é a única opção. "Fizemos também o sofá, que tem a representatividade de estar à vontade e seguro, como se estivesse na própria casa. "Queremos que as pessoas se sintam bem assim."

Papel de parede em tons de verde reverencia a natureza e a riqueza tropical do Brasil
Papel de parede em tons de verde reverencia a natureza e a riqueza tropical do Brasil | Foto: Walkiria Vieira/ Grupo Folha

VIZINHANÇA PROMETE PRESTIGIAR

A curiosidade sobre a abertura do restaurante é grande e, além do pedestre que olha e passa, muitos param e querem saber mais do que os olhos enxergam. Desde que o letreiro fora instalado, dez dias atrás, a fachada é fotografada de diferentes ângulos e um ponto que chama a atenção de todos é a abertura das sacadas que integram o restaurante à área externa e ao que se passa no cotidiano.

Quando decidiu viver em Londrina, o artista plástico Carlos Kubo escolheu um apartamento amplo bem no centro histórico. Kubo mora pertinho do Calçadão e ama tanto a cidade e seu centro que presenteou o espaço com seus tsurus - símbolos de prosperidade, longevidade e sorte. Feliz com a novidade, conta que não vê a hora de o restaurante ser inaugurado e acredita que a revitalização é algo favorável a todos.

O artista plástico afirma que escolheu o centro da cidade de Londrina, tanto para instalar as esculturas de Tsurus quanto para viver, por acreditar que, assim como em todas as cidades, essa área tem muita história para contar. "Aqui, convivem diferentes culturas e energias, e acredito que essa diversidade enriquece a vida de quem escolhe estar nesse espaço, seja a trabalho ou por lazer. Além disso, o centro propicia uma proximidade entre as pessoas e destas com a história da cidade que, para mim, é fundamental".

Sua ideia é que as esculturas não apenas embelezem o local, mas também representem um ponto de conexão entre a arte, a cultura e o sentimento de renovação.

Carlos Kubo: artista plástico é vizinho do restaurante Joia e está feliz com a revitalização do espaço
Carlos Kubo: artista plástico é vizinho do restaurante Joia e está feliz com a revitalização do espaço

REVITALIZAÇAO: IDENTIDADE E MEMÓRIA

Leandro Henrique Magalhães é professor de história na UniFil e especialista na área de Patrimônio Cultural. De seu ponto de vista, a revitalização do centro histórico é um elemento fundamental. "Em especial porque nós estamos falando de um elemento de identidade.

"A identidade é justamente aquele elemento que dá unidade para as pessoas que vivem numa região. Neste caso da abertura do restaurante, essa identidade se dá justamente pela memória e por aqueles elementos que aproximam todas essas pessoas", expõe.

Magalhães enfatiza que a história de uma cidade é fundamental, sendo que neste caso específico, traz um elemento de afinidade. "As pessoas se sentem próximas umas das outras também por esse elemento de afinidade.