Quando alguém compra uma bandejinha de bife no supermercado, não pensa muito sobre o boi que deu origem ao bife. Muito menos sobre o trabalho de quem matou e desmembrou o animal.

Em seu novo romance, “Onde Pastam os Minotauros”, o escritor mato-grossense Joca Reiners Terron narra inquietações da vida e da morte dentro da rotina de um matadouro de gado. Uma rotina imersa em sangue. E revela a perturbadora constatação de que homens e animais são cativos dentro do infindável labirinto da opressão.

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Lançado pela editora Todavia, o livro narra a trajetória de três funcionários de um matadouro do cento-oeste brasileiro. Pessoas que sofrem do mesmo modo como sofrem os animais encarregados de matar. E diante de uma existência miserável, cultivam uma revolta de libertação, uma revolta por justiça – tanto humana quanto animal.

A narrativa de “Onde Pastam os Minotauros” está imersa em uma tensão constante. Como se algo sempre estivesse preste a explodir. Tudo entre empresários gananciosos, famintos em busca de ossos, religiosos radicais, operários desesperados por um emprego, doentes no meio de uma pandemia e bois caminhando no corredor da morte. Uma fabulação que apresenta a tensão da sobrevivência do ponto de vista dos homens e dos animais.

Um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, Joca Reiners Terron é autor de obras como “Do Fundo do Poço se Vê a Lua”, “Noite Dentro da Noite”, “O Riso do Rato”, “A Morte e o Meteoro” e “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves”. A seguir o escritor fala sobre seu novo romance, “Onde Pastam os Minotauros”.

Joca Reiners Terron: "Enquanto houver o último poeta cantando para nós dormirmos, haverá esperanças. Não podemos desistir da ideia de um mundo mais justo"
Joca Reiners Terron: "Enquanto houver o último poeta cantando para nós dormirmos, haverá esperanças. Não podemos desistir da ideia de um mundo mais justo" | Foto: Renato Parada/ Divulgação

O livro pode ser considerado uma perturbadora alegoria sobre o Brasil?

Não sei dizer. Prefiro pensar que é uma ficção sobre o drama de pessoas abandonadas à própria sorte, e que em algum momento se revoltam. Também se trata de uma história que reflete a dor moral sofrida por quem trabalha nos matadouros. Nunca nos perguntamos como se sente o sujeito que abate centenas de animais num único expediente de trabalho. Não nos perguntamos por que não queremos saber. Mas este livro ousa fazer essa pergunta. A resposta não poderia ser mais dolorosa.

“Onde Pastam os Minotauros” se revela um romance sobre a eterna e infrutífera busca por um mundo justo. Você considera que a busca por um mundo justo está fadada ao fracasso? Ou há esperanças?

Sim, há esperanças. Menos para os bois, talvez. Mas enquanto a lua não cair na Terra, haverá esperanças. Enquanto girarmos ao redor do Sol, haverá esperanças. Enquanto houver o último poeta cantando para nós dormirmos, haverá esperanças. Não podemos desistir da ideia de um mundo mais justo.

A narrativa de “Onde Pastam os Minotauros” está imersa em uma névoa de suspense e tensão continua, como se algo sempre estivesse prestes a explodir. Qual sua intenção em construir essa névoa?

Minha intenção principal era que o leitor não dormisse ou desistisse da leitura para ir xeretar o celular. O tempo todo temos de carregar essa responsabilidade de lutar contra a desatenção da leitora e o desprezo do leitor. Então compus o livro com capítulos curtos e narrados no tempo presente, o que dá essa sensação de iminência da desgraça, além de tornar a leitura veloz.

“Onde Pastam os Minotauros” também pode ser considerado uma alegoria sobre a opressão – a opressão exercida pelos homens sobre os animais seria exatamente a mesma opressão exercida pelos homens sobre outros homens. O que isso significa?

Significa que estamos lascados, acho. Parte do livro é narrada pelos bois, e a visão que eles têm de nós não é nada animadora. Segundo eles, a vida é uma máquina de moer carne. E não são apenas os bois que são moídos, nós também somos. O trabalho nos mói, a falta de amor nos esmaga. A falta de tempo, de educação e de gentileza nos transforma em máquinas de carne cujas vidas só têm sentido se produzirmos, se formos úteis. Em suma, se gerarmos lucro.

O romance inverte a ordem mitológica: o matadouro assume a forma de labirinto, o homem assume o papel de minotauro, o touro assume no papel de homem. Por quê?

O minotauro é meio homem. A despeito disso, mesmo sendo filho de uma rainha, isso não o salvou do aprisionamento no labirinto. No livro, os bois compreendem que, se não havia salvação para o minotauro, que era meio touro meio homem, não haverá para eles. E a compreensão de que não há saída é o disparador da revolta.

Imagem ilustrativa da imagem Novo livro de Joca Reiners Terron traz história de sangue e revolta
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Onde Pastam os Minotauros”

Autor – Joca Reiners Terron

Editora – Todavia

Páginas – 184

Quanto – R$ 69,90 (papel) e R$ 49,90 (e-book)