“Falem mal, mas falem de mim!” Essa parece ser a máxima que tem dado molho às discussões em torno da telenovela, que ao lado do futebol e do carnaval, é um dos fenômenos culturais brasileiros mais marcantes da nossa identidade. Amados por muitos, odiados por alguns e tratados como amantes às escondidas por vários, os folhetins na TV aberta sobreviveram à chegada da Internet, das redes sociais e ao streaming. Mas os índices de audiência têm colocado em xeque essa forma de entretenimento que há décadas ocupam lugar especial na programação.

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Os índices de audiência das novelas, principalmente a do chamado horário nobre (21h), são considerados baixos se comparados com os registrados nessa mesma faixa há algumas décadas. Para se ter uma ideia, o remake do clássico “Vale Tudo” tem registrado no Kantar IBOPE o índice médio entre 21 e 22 pontos, enquanto na sua versão original, exibida entre 1988/1989, a audiência média era de 56 pontos, chegando atingir picos de 81 pontos, quando o Brasil parou para desvendar a grande mistério: “Quem matou Odete Roitman?”, uma das vilãs mais icônicas da teledramaturgia brasileira. Originalmente escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, em 1988, "Vale Tudo", agora, é adaptada por Manuela Dias com colaboradores.

Para o escritor e roteirista Mauricio Gyboski, que já escreveu novelas para a TV Globo, como por exemplo, “Fina Estampa” e “Império”, novela vencedora do Emy Internacional, e o “Sétimo Guardião, as audiências registradas nas décadas passadas “nunca mais se repetirão”. Em sua análise, a sociedade vive uma momento de transição com a multiplicidades de telas, ofertas de produtos de diferentes nacionalidades e os formatos no streaming. “Aquela constância da audiência estabilizada nas alturas não volta mais. O que não é impeditivo para se registrar altos índices em um ou outro produto mais elaborado, que caia nas graças do público. O foco é este, atualmente. Investimento maior em tramas que podem ter esse potencial esporádico de elevação. Já tivemos alguns acertos, mas um estrondoso e expressivo ainda não. Ainda acontecerá, com certeza”, aposta.

O jornalista Edenilson Almeida, que tem mestrado em Comunicação pela USP, com sua linha de pesquisa em Televisão, afirma que as mudanças comportamentais da sociedade de modo geral também contribuem para a redução dos índices de audiência das novelas na TV aberta. “Dificilmente uma novela vai ter audiência como antes. Mas, ainda assim as novelas têm uma audiência grande”, comenta.

MUDANÇAS COM A INTERNET

Quanto aos baixos índices de audiência do remake da novela “Vale Tudo”, Almeida observa que alguns fatores contribuem para isso e outros mostram que isso não faz dela um fracasso. Um deles, segundo jornalista, é fato de o remake ter entrado no ar após uma novela que desagradou o público. Por outro lado, observa ele, os índices de audiência das telenovelas na TV aberta ainda são altos num cenário de tantas outras opções com o streaming e internet. “Por exemplo, a novela ‘Mania de Você’, com todos seus problemas, tinha seus capítulos mais vistos do que qualquer recorde absoluto de sucesso da Netflix. Pois um ponto no IBOPE representa 692 mil pessoas, com 21 pontos de audiência, só na TV aberta, a novela foi vista diariamente por 14 milhões de pessoas”, afirma.

Edenilson de Almeida, jornalista: "Um ponto no IBOPE representa 692 mil pessoas, com 21 pontos de audiência, só na TV aberta, a'Vale Tudo" é vista diariamente por 14 milhões de pessoas”
Edenilson de Almeida, jornalista: "Um ponto no IBOPE representa 692 mil pessoas, com 21 pontos de audiência, só na TV aberta, a'Vale Tudo" é vista diariamente por 14 milhões de pessoas” | Foto: Divulgação

O jornalista lembra que o jeito de ver novela mudou e que isso também reflete nas métricas de audiência. “Hoje a televisão está dentro do bolso, com os smartphones. Todo mundo tem um plano de internet que dá acesso à televisão, sem falar que a TV aberta tem sinal gratuito no celular”, diz. Ele acredita a telenovela ainda terá vida longa no Brasil, pois essa possibilidade de acessá-la de forma gratuita é determinante para isso. “Os planos de streaming no Brasil são muito caros,. As pessoas das classes C e D, se não piratearem o sinal, vão continuar vendo novela na TV aberta”, comenta.

Por outro lado, o Gyboski ressalta que a concorrência entre o streaming e as novelas não refletiu nos índices das séries, filmes e outras atrações dos canais pagos. “Por que os índices registrados dos streaming não crescem na mesma proporção? Pelo jeitinho brasileiro. A pirataria não é considerada na audiência. E não tem como a TV se manter com bons índices com essas facilidades. Ocorre um escoamento natural do público”, analisa. Almeida frisa que o IBOPE precisaria passar por uma reestruturação para refletir mais fielmente esses comportamentos nos índices de audiência. “As próprias emissoras, o Youtube, já manifestaram essa demanda”, diz.

REMAKES OU REFORMULAÇÃO?

Gyboski destaca que remakes têm um histórico de não serem bem aceitos pelo público, como suas versões originais foram à época da exibição. “Minha opinião impopular é de que novelas originais das oito não rendem remakes de sucesso em qualquer que seja o horário de exibição. São boas obras, tentativas esmeradas, mas sem o mesmo apelo”, observa.

Mauricio Gyboski, escritor e roteirista: "Devido à vida mais corrida, há uma tendência por conteúdos mais curtos, mas novela não é rede social"
Mauricio Gyboski, escritor e roteirista: "Devido à vida mais corrida, há uma tendência por conteúdos mais curtos, mas novela não é rede social" | Foto: Divulgação

Almeida defende que as telenovelas precisa de passar por reformulações. “Se eu tivesse poder de decisão, faria novelas mais curtas, com no máximo 140 capítulos. E que cada capitulo tivesse entre 25 e 30 minutos. Já tem um grupo de roteiristas que luta por isso”, comenta.

O roteirista Gyboski afirma que essa é uma discussão necessária. Mas que isso passa mais pela gestão de mercado do que pela própria autoria. “Tem pontos contraditórios nessa teoria. Existe, devido à vida mais corrida, uma tendência pelos conteúdos mais curtos. Por outro lado, novela não é rede social. Operacionalmente, tramas longas facilitam para as emissoras. O custo se dilui. Por outro lado, ninguém mais tolera novelas muito longas”, diz.

NOVELEIRO RAIZ E A NOVA GERAÇÃO

Os dois assistem novelas desde crianças, mas são de gerações distantes entre si e acompanham os folhetins de forma diferente. O primeiro é um jornalista que, por ser apaixonado por novela desde sempre, acabou se especializando na cobertura de telenovelas e cinema. Ele é James Cimino, que se formou em Jornalismo na UEL, passou por grandes veículos de imprensa no Brasil e foi correspondente em Hollywood. Atualmente Cimino vive como guia turístico em Londres, Inglaterra, e de lá continua assistindo fielmente novelas brasileira pelo Globoplay.

James Cimino com Beatriz Segall que interpretou Odete, a grande vilã, na primeira versão de "Vale Tudo"
James Cimino com Beatriz Segall que interpretou Odete, a grande vilã, na primeira versão de "Vale Tudo" | Foto: Divulgação

Cimino é fã de carteirinha da novela “Vale Tudo”, que já assistiu várias vezes, desde a primeira versão em 1988/89 e todas outras reprises que a original teve no canal fechado. E agora está acompanhando o remake. Ele conta que o clássico da teledramaturgia brasileira foi marcante na sua vida ainda criança. “Via a novela com 12 anos, e ela me inspirou, por causa da personagem Raquel, a vender beijinhos, brigadeiros para ajudar a minha mãe, que ganhava um salário mínimo, com dois filhos”, lembra. Isso quando ele era criança lá na periferia de Curitiba, e o negócio deu tão certo que a mãe deixou o emprego para se juntar a ele. Fez isso até os 18 anos e ajudou a mãe a construir a sonhada casa própria.

Ele afirma que a novela foi um portal para ele. Depois de formado em Jornalismo em Londrina foi para São Paulo, e depois de passar pelo UOL, foi contratado para escrever sobre cinema para o Agora São Paulo e se revelou um especialista em novelas. “Eu tenho um repertório grande de novelas, assisti todas, as clássicas, lembro das sinopses, de personagens, atores e autores”, afirma.

E a novela “Vale Tudo” tem um lugar especial nessa história, assim como ele começou a vender comida na rua, como a Raquel da novela, hoje ele trabalha como guia turístico como a personagem no inicio da trama. E como jornalista, ele teve uma experiência arrebatadora para todo fã do clássico: quando a novela estava sendo reprisada pela primeira vez, em 2011, ele entrevistou a atriz Beatriz Segall no apartamento dela no dia em que Odete Roitman volta ao Brasil.

Cimino afirma que está gostando muito do remake da novela. E manda um recado para o críticos e haters: “Uma frase que adoro de ver nas redes sociais é quando dizem que estão destruindo um clássico (com o remake). Não estão! O clássico está lá no Globoplay para quem quiser ver”, dispara.

Kaynã Siebri, social media e maquiador:  espectador da nova geração, ele maratona novelas  no streaming
Kaynã Siebri, social media e maquiador: espectador da nova geração, ele maratona novelas no streaming | Foto: Divulgação

A relação do social media e maquiador, Kaynã Siebri, 24 anos, com telenovelas revela o jeito atual que as novas gerações acompanham novelas. Ele afirma que, apesar ter crescido vendo novelas do jeito tradicional na infância, atualmente, não assiste mais pela TV aberta. “Gosto de assistir pelo streaming pela facilidade de poder assistir a qualquer momento”, explica.

E outra diferença é que ele nunca começa a acompanhar as tramas na mesma época em que estreiam, e depois assiste como quem maratona uma série. “Acabo assistindo a novela quando ela já está no meio, e isso é até um problema, pois às vezes pego um spoiler sem querer, mas sigo assim mesmo”, conta. Apesar de não estar acompanhando o remake de Vale Tudo que está no ar, ele diz que segue notícias pelo Instagram. “Acompanho todos os bafafás pela rede, a brigas da Bella Campos com o Cauã Reymond, as críticas sobre as atuações”, afirma. Ele já planeja vez a novela pelo streaming na íntegra. “Já vi algumas cenas pelas redes. Estou muito curioso em saber a história por conta da primeira versão, e se estão fazendo um remake é que a história deve ser muito legal”, comenta.

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