O Ministério da Cidadania formalizou no Diário Oficial da União (DOU) de quarta-feira (24), as novas regras da Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, que foram anunciadas pelo ministro Osmar Terra no início da semana. A mudança mais esperada era a limitação dos projetos a um teto de R$ 1 milhão, o que realmente ocorreu, mas com exceções. Projetos de planos anuais e plurianuais de atividades; patrimônio cultural material e imaterial; museus e memória; conservação, construção e implantação de equipamentos culturais de "reconhecido valor cultural pela respectiva área técnica do Ministério da Cidadania"; e construção e manutenção de salas de cinema e teatro em municípios com menos de 100 mil habitantes não estão incluídos no teto de R$ 1 milhão. A Instrução Normativa não deixa claro qual o limite para estes casos.

Projetos que forem executados integralmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste passam a ter o dobro do limite pela nova regra (R$ 2 milhões). Novos projetos da região Sul e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo têm um limite 50% maior, de R$ 1,5 milhão. Uma mudança parecida já havia sido implementada pela Instrução Normativa 5/2017 (as diferenças eram então de 25% e 50%).

Em relação a empresas proponentes, ficou assim: microempreendedores individuais (MEI) e pessoas físicas podem apresentar até 4 projetos ativos, com limite total de R$ 1 milhão. Outros enquadramentos de empreendedores individuais (EI) podem totalizar até 8 projetos e R$ 6 milhões.

Extinção do Ministério da Cultura foi uma das primeiras medidas radicais do novo governo
Extinção do Ministério da Cultura foi uma das primeiras medidas radicais do novo governo | Foto: Diego Grandi/ Shutterstock

O ministro Osmar Terra fez questão de avisar que entidades que usam os recursos para reforma ou manutenção, como é o caso de museus, não serão atingidas. A nova Instrução Normativa também estabelece limites específicos para projetos de audiovisual. Mostras, festivais e eventos poderão solicitar na sua primeira edição até R$ 400 mil. A partir da segunda edição, o valor solicitado será avaliado com base no histórico de maior captação do proponente. O período para a apresentação de propostas culturais é de 1º de fevereiro até 30 de novembro de cada ano.

Setores atingidos

O setor de musicais é o mais atingido. Fernando Altério, presidente da empresa Time For Fun, uma das maiores investidoras em musicais no País, diz o seguinte. "As mudanças deixam claro que a Lei não vale para todos os setores. De acordo com elas, um evento comemorativo como Festival de Parintins, carnaval, festas juninas ou a árvore de Natal da Lagoa podem captar R$ 6 milhões. Por que eles são mais cultura do que um musical ou uma exposição? Isso entra no campo da subjetividade. Nunca vi nada parecido nos 36 anos em que estou nesse setor."

A produtora Stephanie Mayorkis diz se tratar de um "choque". "Considerando que o governo tinha uma proposta liberal para desenvolvimento da economia, a redução no teto é de um radicalismo que mata um segmento. A área dos musicais é praticamente o único segmento atingido pelas mudanças."

Procurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o governo, por meio de sua assessoria, respondeu assim às críticas do setor: "Setores como o de musicais podem buscar novas formas de financiamento dado seu potencial de retorno de exploração de imagem, atrativo a patrocinadores."

Enquanto isso, os maiores nomes da música brasileira, alvo do presidente Bolsonaro, não deve sentir impacto com as mudanças. Artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan e Ney Matogrosso não usam Lei Rouanet para seus shows.

Um dos objetivos do novo projeto é descentralizar o investimento de recursos e fazer com que empresas apoiem projetos em outras regiões. A produtora cultural Ana García, do Recife, acredita que as mudanças podem involuntariamente chamar atenção das empresas para que invistam em projetos locais - segundo ela, o principal empecilho para o bom funcionamento da Lei Rouanet na região. "Não acredito que mude muita coisa por aqui, mas acho que a conscientização ajuda. É muito mais difícil um produtor do Nordeste chegar às estatais, por exemplo", comenta.

No cinema, uma das maiores produtoras, Mariza Leão, diz assim: "Essa regulamentação da Lei Rouanet não nos atinge porque o audiovisual se utiliza basicamente do Fundo Setorial e das Leis de Incentivo, mas a preocupação é grande - e legítima - porque a cultura está sendo aviltada, e de uma forma como eu nunca vi antes."

Para ela, a frase do ministro Osmar Terra de que as mudanças são para "acabar com a farra" beira o desrespeito. "De qual farra ele está falando? Ele que visite os nossos sets. Só encontrará trabalhadores. É um setor da economia que emprega, dá retorno e, muito importante. Todo país civilizado preza a sua cultura, veja a Europa, os EUA, a Ásia."

Do mercado editorial, o presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros, Marcos da Veiga Pereira, diz que o mais importante seria criar mecanismos de mensuração dos benefícios gerados pelos investimentos culturais. O novo teto para eventos literários ficou em R$ 6 milhões, valor raramente atingido por Bienais do Livro e outros do tipo.

* Colaboraram Guilherme Sobota, João Luiz Sampaio, Julio Maria, Leandro Nunes, Luci Ribeiro, Luiz Carlos Merten e Maria Fernanda Rodrigues