Ridley Scott reencontrou Joaquin Phoenix, com quem já havia trabalhado em “Gladiador” em 2000. Eles agora retornam a um gênero semelhante, o do drama histórico e épico. O ambicioso plano era levar à tela grande toda a vida de um dos personagens mais importantes da história da humanidade. Um macroprojeto com o qual a Apple TV+ mais uma vez deu tudo para continuar ganhando prestígio na indústria.

“As batalhas napoleônicas são tão lindas. Como balés vastos e letais… todos eles têm um brilho estético que não requer uma mente militar para ser apreciado.” Foi o que disse um dia Stanley Kubrick, que há muito ambicionava dirigir um filme que explorasse a vida do oficial de artilharia nascido na Córsega e que se tornou imperador da França. E Kubrick esteve bem perto de fazê-lo no final dos anos 1960, antes de ser forçado a abandonar o projeto. Esta apreciação da arte selvagem das estratégias de batalha do grande general é um sentimento que você suspeita ter sido compartilhado por Ridley Scott em sua abordagem neste épico histórico robusto, mas desigual, que traça a ascensão e queda de Bonaparte (Joaquin Phoenix), começando com a Revolução Francesa e uma descrição historicamente pouco precisa da execução de Maria Antonieta, e terminando com a morte do personagem no exílio, na ilha de Santa Helena. É um filme que, apesar de todas as tentativas de nos mostrar o homem por trás do gênio militar, só ganha vida no campo de batalha.

O filme começa com Napoleão Bonaparte vivenciando os últimos golpes da Revolução Francesa. Naquela nação em constante mudança, com revoltas políticas, cidadãos furiosos e guilhotinas, este projeto de estrategista militar quer chegar ao topo. Seguro de si, ele conquista um nicho e um nome para si mesmo até acabar conquistando metade da Europa e se proclamando imperador. Suas façanhas – ou crimes, dependendo do olhar do espectador – aparecem em todos os livros de história e são estudadas em todas as escolas e universidades do planeta.

Ridley Scott retrata toda a vida de um homem que quis ser grande e acabou se coroando imperador. “Napoleão” não transforma seu protagonista em herói ou vilão, e seu drama humano é no filme obscurecido pelo trabalho de corte e montagem.

Nos últimos meses, Scott insistiu em diversas ocasiões que o “Napoleão” que o público veria nos cinemas não é exatamente o filme que ele idealizou – mas que, segundo ele, existe e pretende mostrar em breve via streaming. Como em (quase) qualquer projeto, o estúdio é quem dá a última palavra na montagem final. E o diretor queria lançar uma versão do filme com mais de 4 horas de duração, mas a Apple deixou em 2 horas e 38 minutos. Ou seja, o que se vê nos cinemas é aproximadamente metade da história que ele queria contar.

CORTES PREJUDICAM FILME

Para um profissional de 85 anos e tantos sucessos, não é desculpa. Abc de cinema: em muitas ocasiões, esses cortes acabam evitando que os filmes sejam obras excessivamente longas que poderiam gerar rejeição do público. Mas desta vez isto afrontou o filme de forma pesada. Principalmente na primeira hora e meia, o que se tem é uma coleção de cenas e sequências isoladas, independentes umas das outras. Todos elas com interesse por si só, claro, afinal é a vida de Bonaparte de que se trata. Mas o fio condutor é bem difuso. Sim, é retratada a ascensão do general e sua ambição de expansão para novos territórios. Também sua complexa relação com Josefina. Mas não há uma narrativa central que conduza o filme.

Tudo desfila diante do espectador, que vai até gostar, principalmente os românticos amantes de História. Porém, o trabalho na sala de edição é bem perceptível. O problema pode estar na própria premissa do filme. Querer cobrir algo tão denso e prolífico como a monumental figura do imperador do início ao fim exige esforço titânico de compressão. E para fazer isso bem, você precisa de mais tempo do que parece tere sido dado a Scott. No final, o ritmo é tão rápido quanto irregular. A oportunidade de empatizar com os principais personagens não é oferecida tanto quanto deveria. Há ainda inesperados toques cômicos em diversos momentos. Quando o recurso funciona, alivia a tensão e dá certa suavidade. Mas quando isso não acontece, a aceitação fica dificil.

Vanessa Kirby como Joséphine ofusca o personagem-título
Vanessa Kirby como Joséphine ofusca o personagem-título | Foto: Divulgação

O BRILHO DE JOSÉPHINE

Não há dúvida de que as sequências de combate são impressionantes. Usando sem número de câmeras, desenho de som estrondoso e envolvente e coreografia de ação intrincada, Scott consegue transmitir tanto o tumulto esmagador de estar no centro da batalha quanto a eficiência meticulosa do planejamento estratégico de Napoleão.

Phoenix oferece uma qualidade bufônica em algumas cenas, e uma petulância rebelde em outras. Às vezes ele é o Napoleão das velhas piadas de hospicio, às vezes dá umas escapadas em busca quem sabe do Bonaparte criado por Marlon Brando. Mas é Vanessa Kirby quem, assim como Ryan Gosling em “Barbie”, ofusca seu personagem-título. Scott insistiu dias atrás que, naquela versão de quatro horas e meia de seu filme na Apple TV a psiquê da Imperatriz Joséphine vai resplandecer. A mostra que está no filme dá bem para antever porque: há uma eletricidade em suas cenas que tornam aqueles momentos grandiosos, empalidecendo as elaboradas sequências de batalha.

Mas saí do cinema embalado por vasta onda de melancolia. Na volta para casa, Kubrick e seu projeto falido de odisséia napoleônica não me sairam da cabeça.

Confira o trailer de Napoleão: