NOS BASTIDORES DO POP
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 08 de fevereiro de 2000
Álvaro Pereira Júnior
Agência Folha
Pense em um nome importante da música pop na década de 70: Jim Morrison, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Paul McCartney, Bob Dylan?
Ben Fong-Torres entrevistou todos eles. E não foram depoimentos quaisquer, mas textos reveladores para a revista Rolling Stone, que surgiu na
virada dos anos 60/70 como a primeira publicação a tratar com respeito a música e a cultura pop. Repórter e editor da RS por 11 anos, Fong-Torres foi um dos grandes responsáveis por uma linha editorial baseada em evolução e ousadia. Está entre os nomes mais respeitados do jornalismo pop em todos os tempos. Tem hoje 55 anos, dirige um site de música na Internet (www.myplay.com) e lança uma coleção de seus melhores textos: Not Fade Away - A Backstage Pass to 20 Years of Rock and Roll (Not Fade Away - Uma Credencial para os Bastidores de 20 Anos de Rock and Roll).
No fibal de janeiro, antes de ler alguns trechos em uma livraria da região de San Francisco (onde nasceu e mora até hoje), Fong-Torres concedeu entrevista. Leia trechos a seguir.
Na entrevista com Sly Stone, no livro, ele prega: Nunca vamos nos vender! Nunca vamos nos vender!. Era muito importante dizer isso na época. O senhor acha que a mensagem ainda faz sentido?
Nos anos 80, gente como Bruce Springsteen e, nos 90, alguém como... estou tentando achar um nome...
Kurt Cobain, do Nirvana?
Pode ser, mas esse se acabou de tanto dinheiro. Ainda há artistas com princípios sobre como gostariam de levar suas vidas. Nem sempre funciona, porque a realidade financeira fala mais alto. Mas Springsteen é um exemplo de músico que, sem se vender, se tornou tão popular que pode manter seu discurso e falar das coisas que julga importantes. Por várias razões, as massas vieram a ele, fizeram dele um sucesso comercial . Algumas pessoas podem ver isso como se vender, mas Springsteen manteve sua integridade.
O que define um artista que se vendeu?
Fazer concessões em seus princípios básicos, para vender mais discos, mais ingressos e ganhar mais dinheiro. Em vez de ganhar dinheiro com aquilo que gostaria de fazer.
Quem se vendeu, então?
Difícil dizer... Talvez o Jefferson Airplane, que passou por tantas convulsões e virou Jefferson Starship, depois só Starship.
No capítulo sobre Janis Joplin, ela reclama que a Rolling Stone deveria apoiá-la, e não fazer críticas. Naquela época, a Rolling Stone apoiava determinados artistas com quem dividia certos ideais?
Não! Nós tentávamos ser uma revista objetiva cobrindo a cena da época. Não tínhamos obrigação de apoiar artistas só porque eram de San Francisco, por exemplo. Essa história de crítica... Dependia do repórter que cobria o show. Se o cara era fã daquele tipo de música, podia elogiar... Se era fã, mas estava triste por causa da namorada, criticava... Puro acaso, nada predeterminado.
Na entrevista com Janis Joplin, quem telefonou foi ela, e sem avisar. No capítulo sobre Jim Morrison, o senhor o encontra por acidente, porque fazia uma visita a uma pessoa que morava no andar de baixo da namorada dele. Hoje, entrevistas são todas arranjadas com assessores de imprensa. As entrevistas espontâneas acabaram?
Até podem acontecer, mas muito raramente. Na época da Rolling Stone, estávamos praticamente sozinhos ao prestar atenção em música e cultura pop. Agora, todo mundo cobre esse território, e os artistas escolhem com quem falar. Cinema, então, é uma indústria que há 20 anos faz divulgação assim: deixando os jornalistas bem felizes, com passeios e promoções. Veja só o que acontece no Globo de Ouro... No rock já acontecia também, mesmo naquele tempo. Quando Alice Cooper lançava um disco, a gravadora dava festas que pareciam carnavais. Ridículo.
Bem, faz parte do jogo...
Isso é rock and roll! No nosso caso, ser da Rolling Stone fazia a diferença. Algumas pessoas sabem lidar tão bem com a mídia...
Podem se fingir de sinceras, de vulneráveis... Na entrevista com Marvin Gaye, que está no livro, ele diz isso: Se você fosse da revista Life, eu estaria de terno e gravata. Mas, como eu era da Rolling Stone, ele me ofereceu um baseado.
Se o senhor tivesse 20 anos hoje e estivesse começando, onde gostaria de trabalhar? Quem é aRolling Stone do ano 2000?
Se eu fosse um garoto, estaria metido com Internet, TV, transmissões por satélite. E tentaria uma vaga na revista on-line Salon.com. Claro que outros lugares me dariam mais visibilidade, mas eu tentaria um esquema especial, fazendo matérias de maior peso, que atrairiam mais atenção.
E o que o senhor acha da Rolling Stone hoje?
Admito: não leio. No máximo, folheio. É verdade que agora correm atrás de modas e celebridades, mas acho que mantiveram um jornalismo de qualidade. Outro dia eu estava num programa de rádio em Chicago e um ouvinte perguntou: O senhor pode me dizer em que dia Jan Wenner (fundador da revista e ainda hoje seu dono) se vendeu? A resposta é: no dia em que criou a Rolling Stone, porque sempre viu a revista como um negócio. Ele saía dizendo pela redação: Isso aqui não é imprensa alternativa! Isso aqui não é um bar!. Jan Wenner sempre quis construir um império.
No livro, o senhor descreve reuniões de pauta em que se decidia fazer uma entrevista com um artista só por ele ser legal, não porque vendia muitos discos. E, hoje, ainda há espaço para esse tipo de coisa? Na Salon.com, por exemplo?
Dou graças a Deus pela Internet e as novas mídias. Antes da Internet, as revistas, jornais, rádios, produtoras de cinema, todo mundo seguia consultores e pesquisas de mercado. Agora, com a fragmentação que a Internet trouxe, ficou claro que não é possível todo mundo fazer a mesma coisa. Ainda é possível ousar.
Mas, hoje, as revistas também não estão todas iguais? Maxim, Loaded, FHM, Details, Gear, Stuf...
Assim caminha o mundo dos negócios. As pessoas encontram uma fórmula - ou, às vezes, a fórmula é que bate de frente com elas. Até uma publicação mais tradicional, como a Esquire, tem de ir em busca dos leitores mais jovens. Veja o que está acontecendo com esses programas de perguntas e respostas na TV aqui dos EUA. É a mesma coisa, estão em todos os lugares. Infelizmente, vai acabar acontecendo a mesma coisa na Internet.
No capítulo sobre os Stones, o senhor destaca uma menina na platéia, xingando Mick Jagger de velho e cansado. Isso em 1973! No capítulo sobre Tina Turner, o senhor diz que ela estava com as pernas bonitas, apesar de já ter 32 anos. Ao descrever Jim Morrison, o senhor nota que ele está envelhecido - na época, Morrison tinha 27 anos. Será que o rock and roll faz sentido depois dos 30 anos?
Aparentemente, sim. É só olhar para as multidões que ainda acompanham os Stones, Tina Turner, Carlos Santana... Não são só os quarentões que estão lá. Isso é hilário. No meu tempo de faculdade, a gente achava melhor morrer antes dos 30. Mick Jagger vivia dizendo que não estaria num palco aos 30 anos. Agora, aos cinquenta e poucos, ele ainda rebola. Quando entrevistei Jim Morrison, perguntei se ele percebia que estava gordo. E ela falou que era por causa do processo de envelhecimento. Ele tinha 27 anos, não estava gordo coisa nenhuma. Era só uma barriguinha de cerveja. Mas é assim que a gente vê o mundo quando é jovem e cheio de energia.Ex-editor da revista Rolling Stone, Ben Fong-Torres fala de seus entrevistados e do jornalismo atual
ReproduçãoNos anos 60, Jim Morrison concedeu entrevista por acaso a Rolling Stone, ainda não havia a superprodução de hojeReproduçãoJanis Joplin disse que a Rolling Stone deveria apoiá-la em vez de fazer críticas