Dois grandes escritores universais estão coincidentemente nas telas da cidade com adaptações de obras famosas, mas com resultados diferentes. Alexandre Dumas e seus mosqueteiros, impecáveis, devem estar em festa nas respectivas tumbas, mas o antológico e incansável Drácula e seu criador, Bram Stocker, lamentam a imortalidade do personagem.

Neste ultimo caso, o que temos? Diferentes versões de seu romance publicado em 1897, algumas obras-primas e centenas de trabalhos de qualidade irregular que persistem em vampirizar sua criatura para imaginar variantes, desvios e até novas histórias a partir dela.

A esse grupo pertence “Renfield – Dando o Sangue pelo Chefe”, comédia sangrenta dirigida por Chris McKay que narra o destino do corretor de imóveis que acabou enlouquecido e virou servo do maldito conde. O filme é um dos dois a serem lançados em 2023 inspirados no romance.

O outro é “Last Voyage of the Demeter”, que imagina o que aconteceu no navio que levou o vampiro de Varna, na Bulgária, para Londres, e que, ao contrário de “Renfield”, opta por ficar só na zona de conforto do gênero terror.


Ancorada no presente, a história encontra Renfield (Nicholas Hoult) morando em Nova Orleans (a cidade mais gótica dos Estados Unidos), ainda a serviço de seu mestre, levando vítimas para um hospital abandonado que ele transformou em covil.

O roteiro dá à dupla uma abordagem moderna: a de uma relação tóxica da qual o protagonista-criado não consegue sair. A reviravolta é interessante, e enquanto se mantém nessa ideia o filme oferece várias tiradas espirituosas e descobertas.

Em busca de inocentes para alimentar o rei da noite, Renfield se encontra em um grupo de autoajuda para codependentes, onde toma consciência de seu lugar na relação com Drácula. Alguns dos momentos que alimentam o particular tom humorístico do filme decorrem neste espaço, aproveitando o duplo sentido que se gera a partir da natureza de um vínculo que só o protagonista e o espectador conhecem.


O início é um achado, partindo do jogo mimético em que se cita a primeira adaptação oficial do romance de Stoker para o cinema, aquela dirigida por Tod Browning em 1931, e na qual Bela Lugosi foi imortalizado no papel do Conde.

“Renfield” recria várias cenas inesquecíveis daquele filme, mas com Nicolas Cage no lugar do ator húngaro. O resultado é impecável, não só pela forma como Cage se encaixa naquela montagem.

É também uma bela apresentação do monstro, que ele interpreta com graça inigualável, usando os métodos malucos de atuação que caracterizam a última e já longa etapa de sua carreira – não se esqueçam do recente autoparódico “O Peso do Talento”.



O Drácula de Cage é a única grande recompensa de um filme que também faz uso eficiente do gore (explicitude gráfica do horror e da violência) para oferecer uma das versões mais sangrentas do personagem desde os tempos de Hammer Films inglesa, com Christopher Lee no comando do papel.

Infelizmente. Mas há um problema sério a comprometer o resultado mais satisfatório: a falta de jeito, ou a inépcia, para inserir uma subtrama de ação que padroniza parte da história com o selo blockbuster contemporâneo, incluindo cenas de lutas massivas e acrobáticas que transformam o protagonista em apenas mais um desses super-heróis de moda.

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O Drácula de Nicolas Cage é a única grande recompensa de um filme que também faz uso eficiente do gore (explicitude gráfica do horror e da violência) para oferecer uma das versões mais sangrentas do personagem
O Drácula de Nicolas Cage é a única grande recompensa de um filme que também faz uso eficiente do gore (explicitude gráfica do horror e da violência) para oferecer uma das versões mais sangrentas do personagem | Foto: Divulgação

cisão que relega o que “Renfield” tem de original para oferecer algo que, na Hollywood de hoje, se consegue em abundância doentia.