Nicolas Cage em explosivo coquetel de sangue e humor
É bom ver um ator empenhado se entregar com unhas e dentes a um personagem. Se o filme não está à altura, ele se entrega em grande estilo
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quinta-feira, 27 de abril de 2023
É bom ver um ator empenhado se entregar com unhas e dentes a um personagem. Se o filme não está à altura, ele se entrega em grande estilo
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
Dois grandes escritores universais estão coincidentemente nas telas da cidade com adaptações de obras famosas, mas com resultados diferentes. Alexandre Dumas e seus mosqueteiros, impecáveis, devem estar em festa nas respectivas tumbas, mas o antológico e incansável Drácula e seu criador, Bram Stocker, lamentam a imortalidade do personagem.
Neste ultimo caso, o que temos? Diferentes versões de seu romance publicado em 1897, algumas obras-primas e centenas de trabalhos de qualidade irregular que persistem em vampirizar sua criatura para imaginar variantes, desvios e até novas histórias a partir dela.
A esse grupo pertence “Renfield – Dando o Sangue pelo Chefe”, comédia sangrenta dirigida por Chris McKay que narra o destino do corretor de imóveis que acabou enlouquecido e virou servo do maldito conde. O filme é um dos dois a serem lançados em 2023 inspirados no romance.
O outro é “Last Voyage of the Demeter”, que imagina o que aconteceu no navio que levou o vampiro de Varna, na Bulgária, para Londres, e que, ao contrário de “Renfield”, opta por ficar só na zona de conforto do gênero terror.
Ancorada no presente, a história encontra Renfield (Nicholas Hoult) morando em Nova Orleans (a cidade mais gótica dos Estados Unidos), ainda a serviço de seu mestre, levando vítimas para um hospital abandonado que ele transformou em covil.
O roteiro dá à dupla uma abordagem moderna: a de uma relação tóxica da qual o protagonista-criado não consegue sair. A reviravolta é interessante, e enquanto se mantém nessa ideia o filme oferece várias tiradas espirituosas e descobertas.
Em busca de inocentes para alimentar o rei da noite, Renfield se encontra em um grupo de autoajuda para codependentes, onde toma consciência de seu lugar na relação com Drácula. Alguns dos momentos que alimentam o particular tom humorístico do filme decorrem neste espaço, aproveitando o duplo sentido que se gera a partir da natureza de um vínculo que só o protagonista e o espectador conhecem.
O início é um achado, partindo do jogo mimético em que se cita a primeira adaptação oficial do romance de Stoker para o cinema, aquela dirigida por Tod Browning em 1931, e na qual Bela Lugosi foi imortalizado no papel do Conde.
“Renfield” recria várias cenas inesquecíveis daquele filme, mas com Nicolas Cage no lugar do ator húngaro. O resultado é impecável, não só pela forma como Cage se encaixa naquela montagem.
É também uma bela apresentação do monstro, que ele interpreta com graça inigualável, usando os métodos malucos de atuação que caracterizam a última e já longa etapa de sua carreira – não se esqueçam do recente autoparódico “O Peso do Talento”.
O Drácula de Cage é a única grande recompensa de um filme que também faz uso eficiente do gore (explicitude gráfica do horror e da violência) para oferecer uma das versões mais sangrentas do personagem desde os tempos de Hammer Films inglesa, com Christopher Lee no comando do papel.
Infelizmente. Mas há um problema sério a comprometer o resultado mais satisfatório: a falta de jeito, ou a inépcia, para inserir uma subtrama de ação que padroniza parte da história com o selo blockbuster contemporâneo, incluindo cenas de lutas massivas e acrobáticas que transformam o protagonista em apenas mais um desses super-heróis de moda.
De

cisão que relega o que “Renfield” tem de original para oferecer algo que, na Hollywood de hoje, se consegue em abundância doentia.

