A música erudita iniciou a semana em luto. Reconhecido mundialmente como um dos maiores pianistas do século XX, o brasileiro Nelson Freire morreu na manhã da última segunda-feira (1º), aos 77 anos. Até o fechamento desta edição ainda não havia detalhes sobre a causa da morte do instrumentista mineiro que faleceu em sua casa, no Rio de Janeiro. Músicos brasileiros de vários outros países lamentaram a perda que ganhou repercussão dos maiores veículos de imprensa do mundo.

Nelson Freire com Marco Antonio Almeida no palco do Teatro Ouro Verde: última apresentação do pianista em Londrina foi em 2019 no FIML
Nelson Freire com Marco Antonio Almeida no palco do Teatro Ouro Verde: última apresentação do pianista em Londrina foi em 2019 no FIML | Foto: Elvira Alegre/ Divulgação

“Nelson Freire era, sem dúvida, o maior pianista do mundo”, destacou o pianista londrinense Marco Antonio Almeida em entrevista à FOLHA. Diretor do Festival Internacional de Música de Londrina (FIML), ele lembrou da última apresentação que Freire fez ao público londrinense. “O Nelson já esteve em Londrina algumas vezes. A mais recente foi há dois anos, quando ele fez o recital de abertura do Festival de Música. Insisti bastante para que ele viesse e como sempre o recital apresentado por ele foi um sucesso”, comenta.

Amigo pessoal de Freire há mais de 40 anos, Almeida ressalta algumas característica que fizeram com que o pianista mineiro ganhasse reconhecimento internacional. “Ele era conhecido e respeitado no mundo inteiro. Foi um exemplo de pianista, não apenas pela parte técnica, mas também pela parte da expressão. Nelson tinha características sensacionais. Possuía uma técnica transcendental quando executava Brahms. Tinha uma sonoridade iluminada quando tocava Mozart. E uma cabeça muito bem estruturada para as obras de Beethoven. O talento dele era reverenciado pelos maiores músicos do mundo. A grande pianista argentina Martha Argerich, por exemplo, só aceitava tocar a quatro mãos com o Nelson Freire”, ressalta.

Marco Antonio comenta que sua amizade com Freire teve início quando se mudou de Londrina para a Alemanha, há cerca de quatro décadas. “Todas as vezes que o Nelson ia fazer turnê pela Europa ele ficava hospedado em minha casa. Era um prazer ouvi-lo ensaiar e conversar com ele, que tinha um sorriso tímido, falava pouco, mas sempre dizia coisas importantes. Lembro que mesmo depois de famoso, ele ficava muito nervoso antes das apresentações. Da última vez em que esteve em Londrina, por exemplo, fui cumprimentá-lo atrás das cortinas antes de sua entrada em cena e ele comentou que estava muito tenso. Era sempre assim. Ele também ficou muito apreensivo quando foi apresentar um recital na Alemanha em que executaria a Sonata Opus 111, de Beethoven, que é um grande desafio para qualquer pianista. Levei todos os meus alunos da Europa para assistirem à apresentação, que apesar do grande nervosismo do Nelson foi um grande sucesso e ele foi aplaudido em pé pela plateia”, relata.

Marco Antonio conta que a primeira apresentação que Nelson Freire faria em Londrina teve que ser adiada. “Há muitos anos, o Conservatório de Música de Londrina promovia a Semana da Música. Em uma das edições, o convidado seria o Nelson. Porém, devido ao mau tempo, o avião em que ele estava não conseguiu pousar em Londrina e ele teve que voltar ao Rio de Janeiro, deixando o público à sua espera. Depois dessa tentativa frustrada ele voltou à cidade diversas vezes”.

EM LONDRINA, UM DOS ÚLTIMOS CONCERTOS

Nelson Freire no palco do Teatro Ouro Verde
Nelson Freire no palco do Teatro Ouro Verde | Foto: Elvira Alegre/ Divulgação

Londrina foi uma das últimas cidades onde Nelson Freire se apresentou antes de sofrer um acidente durante uma caminhada no Rio de Janeiro, em 2019. Após passar por cirurgias no ombro devido à queda, o pianista havia programado o retorno aos palcos para o ano passado, plano que teve que ser adiado devido à pandemia e acabou não acontecendo.

Nascido em 1944, na cidade mineira de Boa Esperança, Freire começou a tocar piano aos três anos de idade. Seu talento precoce fez com a família se mudasse para o Rio de Janeiro, para que ele pudesse se aprimorar nos estudos. Com apenas 12 anos, foi finalista do Primeiro Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro e ganhou uma bolsa de estudos para cursar piano em Viena, onde teve aulas com o famoso pianista Bruno Seidlhofer. Com diversas premiações no currículo, Nelson Freire trilhou uma brilhante carreira internacional, tendo se apresentado em mais de 70 países, com as orquestras de Berlim, Londres, Nova York, Israel, Paris, Tóquio e Montreal, entre outras.

O pianista brasileiro gravou uma extensa discografia executando obras de Chopin, Schumann, Brahms, Liszt, Grieg, Tchaikovsky e Villa-Lobos e outros grandes compositores eruditos. De acordo com o Instituto Piano Brasileiro, Nelson Freire é o único artista do país incluído no projeto Great Pianists of the XXth Century (Grandes pianistas do século XX, em tradução livre), uma coleção de 200 CDs lançados pela Phillips. O cineasta João Moreira Salles fez um documentário sobre ele que pode ser visto na Globoplay.

O corpo de Nelson Freire será velado nesta terça-feira (2) no foyer do Theatro Municipal do Rio, o velório será aberto ao público das 11 às 16h, ele será sepultado no Memorial do Carmo, no Caju, na zona norte da cidade.