Na eleição de um hipotético pódio dos melhores bateristas da história do rock, a maioria dos fãs provavelmente escolheria John Bonham (Led Zeppelin), Keith Moon (The Who) e Neil Peart (Rush). Desde o último dia 7, há a triste constatação de que esses três mestres das baquetas estão mortos.

Baterista do Rush, Neil Peart, no Mandalay Bay Events Center em Las Vegas, Nevada, em maio de 2008
Baterista do Rush, Neil Peart, no Mandalay Bay Events Center em Las Vegas, Nevada, em maio de 2008 | Foto: Ethan Miller/AFP/Getty Images North America

O canadense Neil Ellwood Peart morreu aos 67 anos, depois de enfrentar desde 2016 um câncer no cérebro. Deixa uma obra mais extensa do que Bonham e Moon, que morreram devido a excessos químicos, ambos aos 32 anos, respectivamente em 1980 e 1978.

Em sua peregrinação por grupos obscuros antes de entrar no Rush em 1974, meses depois do grupo lançar seu primeiro álbum, Peart foi muito influenciado por Zeppelin e Who. Os primeiros passos do Rush eram iniciativas em um hard rock convencional. Com a chegada do baterista e sua evidente química musical com o guitarrista Alex Lifeson e o baixista e vocalista Geddy Lee, o trio evoluiria rapidamente para um som próximo ao rock progressivo, mas com uma inegável personalidade única.

O Rush faz parte de um pequeno grupo de bandas de rock em que as letras das músicas não são de autoria do vocalista. Na verdade, é caso mais raro ainda de ter o baterista como criador dos versos das canções.

Peart nem tinha inicialmente a vocação para letrista. Disse várias vezes que assumiu a tarefa pela total falta de vontade que os colegas de banda demonstravam para tentar esboçar algumas rimas. Embora os temas abordados por Peart transitem por ficção científica, literatura, fantasia, história mundial e debates filosóficos, seu imenso talento nos pratos e tambores ofuscou as letras interessantes que escreveu.

O Rush foi, antes de tudo, uma banda de excelência técnica. É o grupo idolatrado por aqueles que se arriscam a tocar. Quem quiser encontrar pessoas tristes pela morte de Peart deve passar pela rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, que é o ponto paulistano que reúne lojas de instrumentos musicais.

Essa adoração pela técnica dos integrantes do Rush foi alimentada por ousados projetos do trio. Álbuns como "Fly by Night" (1975), "2112" (1976), "A Farewell to Kings" (1977), "Moving Pictures" (1981) ou "Roll the Bones" (1991), como outros tantos, mostraram um grupo sempre insatisfeito com o tinha feito anteriormente. Mesmo em movimentos para tornar mais pop seu rock um tanto cerebral, como tentaram nos anos 1990, eles sempre mantiveram uma necessidade urgente de correr riscos.

Hoje classificado com esse rótulo inócuo de "classic rock", o Rush não se acomodou como outras bandas que, como o trio canadense, lotavam estádios em turnês de âmbito mundial. Os shows sempre surpreendiam, com versões bem diferentes das registradas em estúdio. Por isso, o grupo lançou quase uma dezena de álbuns ao vivo. Um deles é "Rush in Rio", gravação de show diante de 40 mil pessoas no Maracanã, no dia 23 de novembro de 2002.

A carreira poderosa do Rush teve um hiato de cinco anos por causa de tragédias pessoais de Peart. Em 1997, sua filha Selena, de 19 anos, morreu num acidente de carro. No ano seguinte, sua mulher, Jacqueline Taylor, sucumbiu ao câncer. Peart chegou a comunicar a Lee e Lifeson que gostaria de se aposentar, deixando os colegas livres para decidirem seu futuro.

No entanto, depois de longas viagens de moto pela América, que ele contaria no livro "Ghost Rider: A Estrada da Cura", Peart voltou à música. Ele se casou com a fotógrafa Carrie Nuttall e, em 2001, estava nos estúdios com o Rush para a gravação do álbum "Vapor Trails", lançado no ano seguinte. Em 2009, sua segunda filha nasceu, Olivia Louise.

"Clockwork Angels", de 2012, vigésimo álbum de estúdio do Rush, é o último material gravado pela banda. Deixa claro que o trio, e notadamente Peart, não poderia ser considerado decadente. Os músicos favoritos dos outros músicos continuavam fantásticos.