Marcelo Almeida‘‘Dina Sfat - Retratos da Atriz’’, coletânea de fotos, reportagens e três vestidos que ela usou em sua última peçaUm pouco da memória do teatro brasileiro repousa por estes dias em três exposições montadas no Memorial de Curitiba, como parte dos eventos paralelos do 7º Festival de Teatro de Curitiba. Ali estão ‘‘O Programa é o Espetáculo’’, com cerca de 200 programas que representam os últimos 50 anos de produções teatrais; a ‘‘1ª Exposição Brasileira de Cartazes de Teatro’’, com exemplares dos anos 60 para cá e ‘‘Dina Sfat - Retratos da Atriz’’, coletânea de fotos, reportagens e três vestidos que ela usou em sua última peça.
Antonio Gilberto, diretor e produtor teatral, trabalhou com Dina em diversas ocasiões. Tornaram-se amigos. ‘‘Em função da ligação profissional e da amizade que nos unia é que me decidi por esta exposição’’, explica Gilberto. Ao longo de um ano ele reuniu 72 fotos de 72 personagens vividos em peças, novelas, especiais de TV, minisséries, longas-metragens e documentários.
A intenção foi exatamente esta: fazer um retrato da atriz como se ela transitasse por um palco mágico. Não houve interesse pelo lado particular de sua vida. Mas a cidadã acabou entrando no painel da estrela - entre as dezenas de capas de revistas, está uma da ‘‘Istoɒ’, de 1983, com Dina empunhando a bandeira em favor do aborto. Na época foi um escândalo.
Se as pessoas chocaram-se com o posicionamento da atriz (era tão sincera que ao defrontar-se com um militar graduado num programa de televisão, confessou todo horror que sentia com sua presença), igualmente chocado ficou seu amigo Antonio Gilberto quando quis recolher imagens dessa mulher que foi um dos maiores ídolos do País. Não havia registros de Dina.
Eles estão nos celulóides, nas fitas de vídeo, mas havia pouco material fotográfico. ‘‘Não fui atrás de fotografias dos anos 20, 30. Estava procurando coisas de agora’’, conta ele, com uma ponta de sobressalto na voz. Mesmo cenas de novelas estão nas fitas; o arquivo fotográfico é anêmico.
Um painel traz alguns dos programas de peças dos quais Dina Sfat participou, entre eles ‘‘Depois da Queda’’, de 1964. Dois anos antes ela iniciara carreira profissional com ‘‘Antígone América’’, produzida pela companhia de Ruth Escobar. Também a última montagem, ‘‘Irresistível Aventura’’, está ali.
No centro do salão três belos e ricos vestidos são a imagem da ausência - estão sustentados por manequins. Numa parede próxima, um velho baú. As vestes e o baú fizeram parte de ‘‘Irresistível Aventura’’, de 1985, que encerrou sua carreira no Guairinha.
Foi a última vez que a artista subiu ao palco, defendendo uma personagem. Neste caso específico, quatro - a peça reunia quatro textos curtos de Garcia Lorca, Artur Azevedo, Tenesse Williams, Tchekov.
Os figurinos de ‘‘Irresistível Aventura’’ foram criados por Rosa Magalhães e premiados com o Troféu Mambembe. Como o espetáculo teve aqui sua carreira encerrada, Dina ofereceu as roupas e o baú para sua grande amiga Lúcia Camargo (atual secretária da Cultura). Esta poderia dar o destino que melhor conviesse ao material. Hoje as vestes e o baú têm status de peças de museu.
O teatro brasileiro das últimas cinco décadas está no Memorial de Curitiba sob a forma de programas distribuidos às platéias. Nomes até hoje conhecidos, e outros tantos que caíram no esquecimento, são pinçados pelo espectador mais atento. Mas existe uma nova leitura que poderá ser feita: a da trajetória brasileira no período.
A euforia e uma dose de inocência e romantismo dos anos 50, dão lugar à insegurança dos anos 60 - quando muitas vezes os programas serviam para as metafóricas explicações dos espetáculos; pouco podia ser dito nessa época -, chega-se aos trabalhos em grupo dos 70, a presença dos encenadores nos 80 e, nos estertores do milênio, a tendência de trazer os clássicos de volta ao palco.
O ator Ailton Silva Caru é dono de uma vasta coleção de cartazes de teatro. Já fez uma porção de mostras temáticas e nesta, em cartaz até o final da semana no Memorial, selecionou 45 trabalhos. O forte da exposição não é a política, mas como ela encerra a produção gráfica dos anos 60 até os 90, é impossível não citar os tempos mais tortuosos. Os artistas gráficos - especialmente Elifas Andreato - muitas vezes pesavam nas tintas, e colocavam corpos dilacerados ao lado de flores tímidas e singelas, como um discurso provocador. Em ‘‘Mortos sem Sepultura’’ um homem é torturado num pau-de-arara.
Momentos históricos dos últimos tempos estão ali, como os cartazes de ‘‘Macunaíma’’ e ‘‘Rasga Coração’’ (que estreou nacionalmente em Curitiba, numa noite sem precedentes). Há também obras assinadas por seus criadores, que atenderam ao pedido de Caru.
Entre essas assinaturas famosas estão as de Elifas andreato, Romero Cavalcanti, Millor Fernandes, Ziraldo, Zélio, Lapí, Germano Blum, Jô Oliveira e Juarez Machado. Um detalhe: Juarez, hoje radicado em Paris, fez em toda sua carreira somente um cartaz para teatro, o da peça ‘‘Arte Final’’. Verdadeira raridade.
(Z.C.L)