São Paulo - Discos voadores já cruzaram os céus do cinema incontáveis vezes, em formatos, cores e rotas diferentes, sempre brincando com uma questão igualmente fascinante e aterrorizante - há vida fora da Terra?

Do encontro fofo de "E.T.: O Extraterrestre" ao cabeçudo "Contatos Imediatos de Terceiro Grau" ou ao sanguinário "Sinais", a dúvida sobre o desconhecido sempre mexeu com a mente dos humanos. Um deles, Jordan Peele, decidiu então fazer sua própria leitura de como seria esse choque interplanetário, no novo "Não! Não Olhe!".

Título um tanto verborrágico para o simples "Nope!" do original - uma gíria para "não"-, o filme mistura um pouco dos elementos dessas três produções, dirigidas por cineastas que Peele já admitiu terem influenciado sua obra -Steven Spielberg, nos dois primeiros casos, e M. Night Shyamalan.

Fato é que, no longa que estreia agora, com atraso, no Brasil, Peele mais uma vez usa o espetáculo do cinema de gênero para abordar ideias com pretensão de ir além de uma leitura superficial do roteiro. Por isso, é difícil concordar numa sinopse, como tentou fazer seu elenco em conversa por vídeo.

"Eu descreveria como um suspense de terror e ficção científica centrado na relação de um irmão e uma irmã, depois da morte de seu pai. Certo dia, eles veem algo no céu e, enquanto tentam descobrir o que é, também tentam gravar aquilo", resume Keke Palmer.

O importante é saber que o longa acompanha dois irmãos negros, vividos por Palmer e Kaluuya, que administram um rancho com cavalos treinados para aparecer em filmes de Hollywood. Na vizinhança, há um caubói asiático, papel de Steven Yeun, que já foi ator-mirim e, após ser o único sobrevivente de um massacre no set de filmagem, decidiu abrir um parque de diversões inspirado no velho oeste.

A presença dos três pode ser vista como uma denúncia de uma indústria que lhes dá pouca atenção, e fica mais potente quando o latino-americano Angel Torres se junta ao grupo, também interessado em captar um enorme disco que flutua, sem dar aviso prévio, sobre a casa da dupla protagonista.

Filme ainda traz um registro da cultura negra americana
Filme ainda traz um registro da cultura negra americana | Foto: Divulgação

Peele promove novamente uma reunião dos oprimidos e, como em "Nós", não bate de frente com sua marginalidade, deixando nas entrelinhas - e à escolha do espectador - uma eventual leitura mais politizada.

"Não! Não Olhe!" ainda se preocupa em recuperar a diversidade atrelada a fatos históricos importantes. O clima de western, por exemplo, remete ao fato de que os primeiros caubóis americanos eram justamente negros. Logo no começo da trama, ainda lembramos que a primeira imagem em movimento, criada pelo fotógrafo Eadweard Muybridge, trazia um jóquei negro sobre um cavalo.

Uma crítica ao capitalismo e à nossa tendência de monetizar tudo o que vemos, um registro da cultura negra americana, uma denúncia da sociedade de vigilância na qual vivemos, uma homenagem ao cinema ou um simples filme de monstro. São várias as leituras que têm pipocado, assim como "Corra!" e "Nós" fizeram nos últimos anos.

"Não! Não Olhe" pode apresentar respostas para isso tudo, mas nem um filme com pretensões aparentemente tão grandes é capaz de responder àquilo que movimenta todo o seu roteiro - se há ou não vida lá fora.

Kaluuya, no entanto, tem sua teoria. "É claro que há vida lá fora. Eu só não acho que é como nesse filme, como num filme de terror. Provavelmente estamos falando de um monte de gente como nós, relaxando, comendo e fazendo sexo, algo assim."

* Confira a programação de cinema no site da FOLHA.

Filme ainda traz um registro da cultura negra americana
Filme ainda traz um registro da cultura negra americana | Foto: Divulgação