A Primeira Guerra Mundial terminou há pouco mais de um século e, para quem mergulha em suas narrativas cruentas, ela continua a projetar nossos medos e nossa própria escuridão cultural. A Segunda Guerra Mundial ainda permanece como uma cruzada justa contra o Mal aos olhos da cultura popular ocidental, mas nossa conexão com a Grande Guerra de 1914-18 é algo muito mais tênue, mais aberto à interpretação.

Talvez seja por isso que o épico recente “1917”, de Sam Mendes, e sua história de sobrevivência contra todas as probabilidades foi tão bem recebida pelo público, pela critica mundial e pelas premiações. Foi fácil nos sobrepor ao campo de batalha na frente da câmera de Mendes e imaginar nossas próprias e ousadas missões de resgate.

Esta “All Quiet On The Western Front”, de Edward Berger, terceira grande adaptação cinematográfica do lendário romance do alemão Erich Maria Remarque, trabalha com muitas das mesmas matérias-primas do filme de Mendes, focado na Grã-Bretanha.

Você terá mais sequências longas de investidas fúteis nas trincheiras, mais momentos de silêncio antes da inevitável tormenta da guerra e mais jovens personagens jogados no caldeirão que transforma meninos em guerreiros. Mas em um mundo que foi há muito pouco devastado por uma pandemia e uma nova guerra europeia em pleno andamento, o drama de Berger evita as inevitáveis ​​comparações com “1917” (e com o clássico homônimo de Hollywood, vencedor do Oscar de 1930 de Melhor Filme) para nos dar algo mais sombrio, mais brutal e, talvez, mais honesto. Este é um filme sobre filhos jovens que não voltam para casa, e sua história se mostra profundamente comovente – e atemporal.

O confronto bélico no filme de Berger, assim como no romance de Remarque, centra-se em Paul (Felix Kammerer), jovem estudante alemão que se apega ao nacionalismo já fanatizado pela guerra e que se alista para uma passagem só de ida para as linhas de frente na luta contra a França. Paul começa o filme com os olhos brilhantes, sorrindo, ansioso pelo manto de “veterano” e “herói” que cobrirá seus ombros quando ele finalmente voltar para casa. O que ele não sabe é que seu caminho para a chamada glória passa por quilômetros de lama, sangue e vísceras e que seus amigos idealistas serão trucidados até o fim das batalhas.

O jovem diretor alemão Berger, de forma devastadora, coloca o espectador na primeira fila diante de um pungente, dilacerante altar de inúteis sacrifícios de milhões de vidas humanas, injetando na narrativa intensidade visceral e poesia visual. E muito importante: ele vai ainda mais fundo e insinuante, plantando no terreno fértil do falso orgulho nacionalista, as sementes da ideologia totalitária que, duas décadas depois, levaria a Alemanha a mais um conflito mundial e a mais uma derrota humilhante.

Reparem particularmente na sequência de abertura (os uniformes retirados de cadáveres restaurados para uso dos recém-alistados) e ao final, a assinatura da rendição alemã aos franceses e o inconformismo do espírito belicista que insiste na destruição de vidas.

Objeto de críticas, polêmicas e discussões, o romance (publicado em 1929) de Erich Maria Remarque mostrou – a um público que ainda considerava a guerra apenas uma fatalidade histórica cercada por uma aura de romantismo heroico – a verdadeira face dos soldados que nela se envolveram. Não eram guerreiros, como os que apareciam nos filmes de propaganda, mas homens maltrapilhos, neuróticos e assustados. Outras obras de ficção que testemunhavam batalhas da Primeira Guerra Mundial já haviam sido lançadas, mas nenhuma foi tão autêntica e reveladora da verdade.