Para o espectador que assiste hoje, 52 anos depois, a Todas as Mulheres do Mundo, o longa de Domingos Oliveira - na época, ele era de Oliveira - ainda parecerá, com certeza, encantador. Paulo, interpretado por Paulo José, é um namorador incorrigível, sempre apaixonado, sempre saltando de uma ligação para outra. E aí ele conhece Maria Alice, professorinha. O envolvimento é mais sério, coisa de se comprometer. Mas estará Paulo disposto a desistir de todas as demais mulheres? Por uma, mesmo que seja interpretada por Leila Diniz?

Muito se escreveu sobre essa Leila que passou feito um furacão pelo Brasil dos sombrios anos 1960 e 70, em plena ditadura militar. Dela, disse o poeta Carlos Drummond de Andrade que havia libertado as mulheres brasileiras de uma particular escravidão - a da submissão ao macho provedor. Leila era libertária. Amava e foi amada, engravidou e foi à praia de biquíni, exibindo aquela barriga imensa. Deu entrevista ao Pasquim assumindo que gostava de sexo, sentia tesão e ainda recheando as declarações de palavrões. No filme, ela é suave. Olha para a câmera, rompendo a quarta parede, e nós, o público, nos derretemos. E é embalada por um tema musical - que Domingos foi buscar no compositor francês Gabriel Fauré.

Todas as Mulheres do Mundo bebe na fonte da nouvelle vague, o movimento que mudou a cara do cinema mundial a partir da França, na segunda metade dos anos 1960. No Brasil, inspirou o Cinema Novo, mas agregando outra influência, a do neorrealismo italiano, marcadamente social. O Cinema Novo queria ser revolucionário. Queria mudar o mundo, e começou mudando o cinema brasileiro, botando o sertão na tela, o morro.

Homens e mulheres negros, pobres, sertanejos, desdentados - mas fortes. Fabiano e Siá Vitória, Manuel e Rosa, Corisco e Antônio das Mortes.

Domingos veio na contracorrente. Quem era aquele cara que parecia tão pequeno-burguês, e voltado para o próprio umbigo? Amores, Ipanema, casamento? Uma festa de criança? Há mais de 50 anos, alguns críticos chegaram a discutir se aquilo não seria conservador demais, até reacionário?

Pelos anos e décadas seguintes, e até sua morte, aos 82 anos, Domingos, como autor, nunca deixou de investigar os afetos. Com outras armas - sem o parabellum de Antônio das Mortes na mão -, não deixou de revelar o Brasil. E seu filme, uma linda comédia romântica, como o cinema brasileiro não sabia fazer, ainda tem Leila. Ela morreu em 1972, num acidente de avião, aos 27 anos. Foi icônica, como escreveu um crítico - uma das mulheres mais emblemáticas do Brasil pré-feminista.