Cinebiografias vem se multiplicando no Brasil nas recentes temporadas, e uma das mais bem sucedidas é a que cobre boa parte da vida pessoal e artística (em qualquer caso não há como separar uma da outra, e aqui então a inter-relação é quase visceral) do humorista, ator, músico, cantor e compositor brasileiro Antonio Carlos Bernardes Gomes, aliás o Mussum, um dos lendários Trapalhões (como ficou mais conhecido, e integrante de primeira hora do grupo Originais do Samba). O longa metragem “Mussum – o Filmis” foi, com absoluta justiça, recompensado no 51º Festival de Gramado, de onde saiu com meia dúzia dos principais troféus Kikitos – entre eles os de melhor filme do júri oficial, melhor ator (Ailton Graça) e melhor filme do júri popular.

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Com estreia nesta quinta-feira (12), em centenas de salas das principais capitais e cidades do interior, o longa de estreia do até então ator Silvio Guindane serve do bom e do melhor daquele tão necessário trivial variado, vale dizer, não tem arroubos e nem tiros de festim na forma de contar sua história, mas tira o máximo proveito de um roteiro bem redondo e de um elenco (principal e secundário) que entrega ótimo trabalho que só enriquece o projeto: todos, sem exceção buscam compreender e dignificar o homem por trás do popular cantor e humorista, sem que esta abordagem pareça apelação ou mera bajulação – as fraquezas do personagem são expostas sem constrangimento.

Motivado/baseado no livro "Mussum – Uma História de Humor e Samba”, de Juliano Barreto, o roteiro tem três capítulos distintos. Abre com a infância desprovida de Antonio Carlos Bernardes Gomes quando ainda era Carlinhos ( Thawan Lucas Bandeira) e vivia com a mãe, Dona Malvina (Cacau Protásio). Naquele tempo, ele já mostrava aptidão para a música (e futebol), apesar da desaprovação da mãe. No segundo ato, Carlinhos agora adulto (Yuri Marçal) segue carreira na Aeronáutica, ao mesmo tempo em que começava a tocar na noite com o grupo Os Originais do Samba, escondido dos familiares. É nessa época que conhece sua primeira mulher, Nely (Jeniffer Dias) e começa a constituir família. Opus três: agora Carlinhos (Ailton Graça) já se destaca em suas participações na TV. Em uma dessas atuações, conhece Grande Otelo (Nando Cunha), e este acaba lhe dando o apelido que o tornaria conhecido no Brasil inteiro: Mussum (como o peixe Muçum, Otelo acha que ele é liso e escorregadio...)

HUMORISTA

O filme mostra como Mussum chamou a atenção de outros humoristas, como Chico Anysio (Vanderlei Bernardino), que o convida para participar da "Escolinha do Professor Raimundo", na década de 1970. Mais tarde, Renato Aragão (Gero Camilo) o contrata para fazer parte dos Trapalhões, que ainda incluiria Dedé Santana (Felipe Rocha) e Zacarias/Mauro Gonçalves (Gustavo Nader). Com o programa humorístico, a carreira de Mussum decola de vez, e ele fica mais envolvido com a TV e o cinema, mesmo querendo manter a parceria com os Originais do Samba. Na trama que se vê na tela, isso o leva a conflitos com várias pessoas, incluindo um dos integrantes do grupo, Bigode (Angelo Fernandes/Édio Nunes). O sucesso o leva a se aproximar ainda mais da sua escola de samba do coração, a Mangueira.

Os diálogos são bons e a envolvente simplicidade da narrativa é bem manipulada por Guindane, que sabe mesclar momentos de genuína dramaturgia com tiradas de humor que o telespectador de outros tempos – e não importa a assiduidade – vai gostar muito de rever. A produção é ótima, recriando épocas e momentos com grande talento. O prêmio a este acerto veio na Menção Honrosa obtida em Gramado.

Todo o elenco está na mesma linha de afinação, mas é Ailton Graça quem brilha soberano como Mussum, seu primeiro papel protagonista. Se vivo, o original teria aprovado esta inspirada (e bem estudada) “incorporação” que honra memória e legado do Mussum real, que morreu em 1994 em São Paulo, aos 53 anos, em decorrência de complicações após um transplante de coração.

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