Sem papas na língua e de bem com a vida, Elza Soares está fazendo shows de lançamento de seu mais novo trabalho ''Beba-Me'', da Biscoito Fino. ''Beba-me, coma-me, faça tudo o que quiser'', diz às gargalhadas. Pois de sexta a domingo, ela mostra aos paulistanos o repertório do CD e DVD (o primeiro da carreira) que saiu recentemente nas lojas.
Descontração à parte, ela lembra que ''Beba-Me'' foi gravado num momento delicado. Recém-operada de uma diverticulite em março deste ano, no palco do Sesc Pompéia, onde registrou o show, Elza pouco transparece que está com colostomia (canal direto do intestino com o lado de fora do corpo) e uma cinta enrolada pelo seu marido, o rapper Anderson Lugão, de 31 anos.
Elza até samba. Mas foi um show, como ela diz, feito ''com muito sangue''. ''Você não tem idéia da dor que eu estava sentindo, fiz tudo pra que ninguém percebesse. E acho que consegui. Até com dor se sorri. Tudo em nome do amor, da paz, da arte, da vida'', declara ela, acrescentando que naquele momento só contava com a bênção de Deus.
No repertório, selecionado em conjunto com José Miguel Wisnik e Wadim Nikitim, além do diretor musical Nando Duarte e o produtor José Gonzaga, Elza visita sucessos como ''Se Acaso Você Chegasse'' (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins), ''Malandro'', de Jorge Aragão e ''Estatutos da Gafieira'' (Billy Blanco).
Envolta em clássicos da carreira, a cantora pontua, entretanto, que não aprova saudosismos. ''Das músicas que eu já tinha gravado fiquei com receio. Não gosto de nostalgia, o passado tem muita lágrima e não vejo pra que resgatar isso'', conta. E emenda: ''My name is now (meu nome é agora)''.
Em ''Beba-Me'', Elza também mostra uma nova paixão sua, o rap - influência, de certa forma, que veio do maridão. Ela gravou o Rap da Felicidade, sucesso nos anos 90, que traz os versos ''Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente na favela onde eu nasci / E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar''.
Elza diz que já tinha a intenção de gravá-la há alguns anos. ''Eu sou o próprio rap e esse rap tem muito a ver com a minha vida, de onde eu saí. É muito maravilhoso contar uma história. Já tinha vontade de gravar e consegui agora'', afirma.
No novo trabalho, a cantora ainda apanha ''Meu Guri'' e ''Dura na Queda'', ambas de Chico Buarque, ''Dor de Cotovelo'', de Caetano Veloso, e ''A Carne'', parceria de Marcelo Yuka com Seu Jorge e Eilson Capetete. Com exceção de ''Meu Guri'', registrada no disco ''Trajetória'', todas elas foram gravadas em Do Cóccix até o Pescoço, de 2002. Elza mostra também sua faceta compositora com a música Exagero, composta com a colaboração de Glaucus Xavier.
Essa canção, aliás, denota o que a cantora é. Ela mesma diz ser ''um exagero''. ''Sou uma gata inquieta, um bicho que está sempre burilando, e senão fizer arte não tem graça'', observa. Moradora de Copacabana, no Rio, ela faz uma avaliação sobre o bairro que condiz, segundo Elza, com um pouco também de si. ''Copacabana é linda de morrer, esnobe, besta, parceira e prosa. É um pouco de mim''.
Com eterno espírito jovem, a cantora, que vive promovendo reuniões musicais em sua casa e adora Marcelo D2 e O Rappa, não sabe dizer o segredo para tamanha energia que exala aos 70 anos. ''Cara, eu não sei dizer, é tudo meu, não quero ser mais jovem que ninguém, só quero ser mais que eu mesma. Não sei falar muito de mim não, mas acho que é minha força, meu presente de Deus, minha luz'', avalia. Para Elza, o palco é sagrado, que ela o vê como um ''remédio bom''. ''Canto com alegria'', arremata.