Há muito tempo a ideia de museu deixou de ser aquele lugar que acumula coisas do passado e velharias da memória. A ideia de museu se transformou ao longo do tempo e segue se transformando com as mudanças de mentalidade.

Em seu novo livro, “Decifra-me ou Te Devoro – Museu Histórico Como Teatro da Memória”, o historiador Edson Holtz Leme analisa a trajetória do Museu Histórico de Londrina para revelar suas transformações ao longo do tempo.

Publicado pela editora Eduel com lançamento marcado para este sábado (11) no Museu Histórico de Londrina, a obra procura “evidenciar os conflitos e os consensos no processo de construção da memória coletiva”.

Em “Decifra-me ou Te Devoro” o autor cria a imagem de museu como espetáculo da memória. Quando o visitante entra nas dependências de um museu, precisa “aprender a decifrar a exposição” para que não se torne apenas um refém da narrativa apresentada.

A pesquisa realizada por Holtz Leme, fruto de tese de doutorado, expõe como o Museu Histórico de Londrina, o grande guardião da memória da cidade, passou por diferentes fases, entre acertos e desacertos, para a compreensão da ideia de memória coletiva.

A seguir, Edson Holtz Leme, também autor de “Noites Ilícitas”, um dos títulos mais vendidos da Eduel, fala sobre seu novo livro.

Em “Decifra-me ou Te Devoro” você cria uma analogia entre museus e produções teatrais. Que analogia é essa?

Um espetáculo teatral busca, em essência, contar uma história. Os museus, guardadas as devidas proporções, por meio de suas exposições, criam os chamados espetáculos da memória. A forma como estruturam os cenários expositivos, os objetos escolhidos, produzem no visitante uma espécie de viagem no tempo. Essa viagem constrói uma narrativa sobre o passado. E a recepção desse espetáculo de memória, aliado a existência ou não de uma ação educativa, determinam como os visitantes farão a apreensão desse espetáculo. Aprender a decifrar uma exposição de um museu ou uma peça teatral, permite que o público não se torne refém de uma determinada narrativa.

No livro você utiliza o conceito de “museu-memória” e de “museu-narrativa” como forma de entendimento das estruturas expositivas dos museus. O que é “museu-memória”? O que é “museu-narrativa”?

A origem da palavra museu vem da palavra grega “mouseion”, também chamado de templo das musas. Desde a antiguidade o processo de acumular objetos transitava entre ter prestígio social e poder. Dos chamados gabinetes de curiosidades, da Idade Média, até a estruturação dos museus históricos e de etnologia do século XIX, a exposição de objetos era aleatória. Os objetos “falavam” por si. Com a estruturação dos museus nacionais, pós-revolução Francesa, muitos museus passaram a adotar o conceito de “museu-narrativa”. A partir daí o conjunto de objetos e os cenários passaram a construir uma narrativa, dando ênfase à epopeia e unidade desses novos estados. No “museu-narrativa” a articulação de vários objetos em cenários, articulados a um tema, definem a mensagem da exposição.

Em “Decifra-me ou Te Devoro” você expõe as transformações do Museu Histórico de Londrina de “museu-memória” para “museu-narrativa”. Como ocorreu essa transformação?

O Museu Histórico desde a sua formação, no final da década de 1960, sediado nos porões do Colégio Hugo Simas, até o processo de revitalização, de 1997 a 2000, se configurou como um “museu-memória”. Os objetos eram expostos individualmente, em prateleiras. Como exemplo havia uma prateleira repleta de telefones ou máquinas fotográficas analógicas. A partir do ano de 2000, quando o Museu foi reaberto depois de um longo processo de revitalização e modernização, passou a ter cenários temáticos vinculados a uma narrativa para contar a história da cidade. Tendo como vetor o tema trabalho, os cenários foram construídos seguindo a ordem cronológica da formação da cidade.

Ao analisar a história do Museu Histórico de Londrina, o livro revela como, em determinados momentos, o Museu foi instrumento de perpetuação da história das famílias da elite pioneira de Londrina. O espaço público foi convertido em espaço privado. Como isso aconteceu?

Nas primeiras décadas de existência do Museu, seus gestores referendaram, na constituição do acervo bi e tridimensional, a consolidação de uma certa “história oficial” da cidade de Londrina. Nesta história, que podemos chamar de narrativa, a Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP, e a ideologia do pioneirismo, predominaram nas exposições realizadas pelo Museu. Inicialmente o chamado “pioneirismo” consagrava os primeiros habitantes, especialmente aqueles que tinham alguma relação com a CTNP, como os grandes responsáveis pelo desenvolvimento e progresso da cidade. Eram o que podemos chamar de “mitos” de origem. A partir das comemorações do Jubileu de Prata, em 1959, os cafeicultores e grandes empresários passaram a herdar este título. E dessa forma passaram a ter suas memórias homenageadas no Museu. No processo de revitalização do Museu, reaberto em 2000, muitas famílias colaboraram financeiramente com a reforma de alguns espaços. Em troca conseguiram o privilégio de poder homenagear seus respectivos patriarcas nestes espaços.

No livro você expõe o conflito que aconteceu entre professores do curso de História da UEL e o Museu Histórico de Londrina. Que conflito foi esse?

Na verdade esse conflito era interno ao Departamento de História. O Museu foi criado por professores de História e sempre, com uma única exceção, foi administrado por docentes do curso. Os primeiros professores que administraram o museu defendiam uma perspectiva mais tradicional da História da cidade, priorizando os mitos fundadores. Com a chegada, na década de 1980, de novos professores, que trouxeram novas perspectivas historiográficas, um certo conflito se instalou. Os novos professores passaram a realizar pesquisas que mostravam novos personagens, novos temas que até então a História mais tradicional não valorizava ou simplesmente ignorava em suas narrativas. A constatação arqueológica da presença dos povos originários, anteriores à CTNP, a existência de silêncios na expografia do Museu, serviram de combustível para o aumento de cobranças por parte do Departamento junto ao Museu. Por muito tempo não atendidas. Hoje, felizmente, os novos diretores e novas diretoras, também historiadores, são mais abertos às contribuições que os pesquisadores trazem para a história da cidade e região.

No final do livro você revela que existe um grande silêncio presente no Museu Histórico de Londrina. Que silêncio é esse?

Na verdade são silêncios. Se tomarmos como exemplo a chamada exposição de longa duração, que é aquela em que o visitante é apresentado à história da cidade, percebemos, ainda hoje uma certa seletividade de memórias. Quando finalizei minha pesquisa em 2013, havia a ausência dos povos originários (Kaingangs, Xetás e Guaranis), negros, nordestinos, e as mulheres tinham papel secundário na expografia. Anos depois os indígenas se mobilizaram e exigiram sua presença, sua história na exposição. Mas os outros silêncios continuam. Silêncios que impactam sobretudo aos visitantes que não se veem contemplados nos cenários lá expostos. E o que dizer das crianças que junto de seus professores, quando visitam essa exposição se deparam com uma narrativa predominantemente masculina, branca e europeia? A formação social londrinense é muito mais plural que isto.

Em sua visão, o que o Museu Histórico de Londrina precisa ser pensado para ser um lugar cada vez mais vivo e integrativo?

Ao longo da história o conceito do museu se transformou e ampliou sua diversidade. Temos museus imateriais, como o da Língua Portuguesa em São Paulo, os ecológicos, militares, de ciência e tecnologia, religiosos, etc.. A expografia também ficou mais moderna, com aparatos tecnológicos e de informática que modernizaram e tornaram mais atrativas as exposições. O Museu Histórico de Londrina, além de contar com ótimas salas e equipamentos para exposições, está hoje cada vez mais aberto para a diversidade e pluralidade relacionadas à formação social dos londrinenses. Ele sofre, atualmente, com a falta de recursos humanos e financeiros, por conta dos sucessivos cortes do governo estadual. Por pertencer à UEL nosso Museu conta com o suporte de pesquisa, porém é fundamental que nós londrinenses lutemos pela Universidade. Sem ela, o Museu e tantos órgãos importantes poderão um dia deixar de existir.

Imagem ilustrativa da imagem Museu: local de história dá lugar a espetáculo da memória
| Foto: Divulgação

SERVIÇO:

“Decifra-me ou Te Devoro – Museu Histórico Como Teatro da Memória”

Autor – Edson Holtz Leme

Editora – Eduel

Páginas – 370

Quanto – R$ 125,00 (papel) e R$ 62,50 (e-book) Onde encontrar – www.eduel.com

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LANÇAMENTO:

Quando – Sábado, dia 11 – 20 horas

Onde – Museu Histórico de Londrina (Rua Benjamin Constant, 900)

Quanto – No lançamento o livro será vendido com 50% de desconto. Reservas pelo e-mail: [email protected]